Planos

Vou levantar cedinho, cumprir ritual de limpeza esperando alcançar embelezamento desejável, mas absolutamente improvável. Vou-me olhar no espelho

17/03/2017 | Tempo de leitura: 2 min

Vou levantar cedinho, cumprir ritual de limpeza esperando alcançar embelezamento desejável, mas absolutamente improvável. Vou-me olhar no espelho e, quem sabe, gostar do que verei. Espelhos não mentem. Espelhos refletem o que se coloca na frente deles. Vai ver que por isso as pessoas têm medo de encará-lo. Vou me dar um tempo olhando-me nos olhos, se conseguir, é claro. Não existe nada mais poderoso que devolver-se o olhar no espelho. Se conseguir, me sentirei criatura do Bem, sem pecados. Se não, tentarei outra vez. Mais tarde. 
 
Olhar dentro dos nossos olhos é prática das mais catárticas. Flertar com a gente mesma é ir lá no fundo da alma. Já sei, de longo tempo, que ao espelho não se consegue mentir. Espelho não inventa brilho nos olhos, sorriso sincero, cabelo bonito, dentes brancos, menos idade, rugas ou marcas. O espelho está ali, inflexível, estático, imóvel. Na dele.
 
Vou recontar-me - olhando no espelho e dentro dos meus olhos - as cenas mais significativas da minha vida, sem me importar com cronologia. Vou me lembrar como me senti feliz tantas vezes ao longo destes anos vividos. Muitas mais que aquelas nas quais me senti triste. Tentarei enumerar amigos que arrebanhei. Direi os nomes de cada um, deixando que as sensações despertadas por eles se manifestem ali, naquele momento. Vou conversar comigo. É hora de balanço emocional, sinto necessidade de me dizer quanto consegui e juntei durante tantos anos. 
 
Estou com vontade de me provar que tenho tanto, mas tanto, que nada mais me falta e que vivi situações maravilhosas. Chorei de raiva e frustração, nem sei quantas vezes. Fui rejeitada, fui desejada, amada, desprezada e isso só me fez crescer. Tive motivos pra sair correndo e fugir. Permaneci, enfrentei fantasmas e eles desapareceram quase todos. Entre os remanescentes alguns continuam palpáveis e presentes, mas aprendo dia após dia, a conviver com eles. Perdi pessoas queridas, ia chorá-las eternamente quando percebi que chegaram outras. Sem haver substituição, passei a acreditar em expansão do afeto.
 
Venci doenças, algumas fobias; derrotei gigantes como a má vontade de pedir perdão. Já consigo fazê-lo, embora tenha certeza de que errei tanto com algumas pessoas, que para muitas das minhas vítimas nem adianta pedi-lo. Ainda tenho medos. Muitos. Alguns confessáveis, outros, nem sob tortura. Tenho medo da reprovação, tenho medo de enfrentar opinião desfavorável sobre algumas das minhas atitudes. Descobri que tento, em vão e bestamente, ser unanimidade internacional.
 
E lá vou eu cultivando dentro de mim tudo que chamo de idiossincrasias. Tenho filhos, tenho netos, tenho família, tenho amigos, tenho amigas, tenho sobrinhos, irmãos, inimigos, desafetos, gente que me acha o máximo, gente que me odeia. Acho que sou normal. E feliz. Muito feliz. E estou achando o máximo chegar por estes dias, à marca de vida que chegarei.
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.