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Dentre os cinco maiores privilégios que distinguem minha vida está o de ser e ser chamada de vovó por seis maravilhosas criaturas cujo

21/10/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Dentre os cinco maiores privilégios que distinguem minha vida está o de ser e ser chamada de vovó por seis maravilhosas criaturas cujo desenvolvimento físico acompanho par e passo há alguns anos. No amplo espaço dessa condição familiar, possuo algumas prerrogativas das quais desfruto com o maior prazer. Posso contrariar ordens superiores e dar o sorvete que pedem, negado pelos pais em nome de dentição perfeita, ou posso negociar algum objeto desejado e antecipar o Natal, dia das Crianças, aniversário ou Páscoa. Há sempre uma data estratégica próxima ao desejo deles. 
 
Recentemente descobriram-me outra utilidade, desfrute dessa condição familiar e consequência da descoberta de que fui professora em idos tempos. Posso estudar com eles para as provas mensais escolares. A nova serventia foi inaugurada ano passado, quando Clara, a segunda, me pediu para ajudá-la a desvendar os mistérios da Civilização Romana. Nesses tempos de internet foi prazeroso. Corremos ao Google para informações adicionais, ao Youtube para buscar vídeos e filmes que reproduzem tempos bem distantes e dão rosto, mobilidade e voz às personagens envolvidas naqueles episódios históricos. Puro deleite ver Júlio César, Marco Antônio e gladiadores se materializarem. Mais ainda, verificar e mostrar para ela o quanto do legado histórico, político, cultural e artístico daquele período nos influencia ainda hoje. 
 
Essa semana o pedido foi para estudar Geografia. Alguns livros das minhas coleções, livro didático da netinha, computador, lá fomos nós enfrentarmos juntas os insondáveis mistérios da Amazônia. Enquanto estudávamos, percebi o quanto e com que esforço os professores da minha geração ajudaram-nos a desvendar o intrincado mundo do conhecimento. Os audiovisuais disponíveis eram parcos e modestos. Fôssemos estudar a Região Norte naqueles tempos, teríamos como recursos alguns mapas, a coleção Barsa que fazia, com o conhecimento armazenado e compartimentado nos seus volumes e com muita modéstia, as vezes do computador - modelo antigo e funcionamento precário, tal qual meus filhos conheceriam na década de 80. Quando terminamos de estudar, voltaram-me à memória figuras ímpares que pertencem à minha história pessoal, cujos nomes hoje personalizam ruas e logradores públicos da cidade, responsáveis pela educação e aprendizagem de muitas gerações. Quando terminamos de estudar eu, ex-aluna, ex-professora, ex-mãe de aluno, pensei nas profundas mudanças pelas quais passou a Educação, seus agentes e processos. 
 
Venho de um tempo em que ficávamos de pé para receber o professor que entrava na sala de aula. Venho de um tempo em que professor não era tio ou tia e era respeitado até na sua ausência. Um tempo em que advogados, médicos, engenheiros ou dentistas optavam por deixar suas áreas de formação e ingressar no magistério. Era naquele tempo em que o salário de professor cobria suas necessidades de sobrevivência, além de lhe permitir juntar algum patrimônio. Professor tinha dignidade e era merecedor de respeito. Ninguém chamava professor pelo nome; ninguém encostava a mão nele, nem para tocar seu braço e provocar atenção; professor era intocável em todo sentido. Dava aula de terno e gravata, independente do nível que lecionava; as professoras usavam meias de seda, saltos altos, penteados esmerados, usavam batom. Do curso primário à universidade era assim: aprendeu, aprendeu; não aprendeu, toma bomba. Não tinha isso de passar de ano sem aprender e só passava, aquele que provava ter aprendido. Sem quaisquer recursos especiais, a maioria de nós, aprendeu matemática, história, geografia, português, física, química, latim, espanhol, francês, até música. Talvez eu venha de tempos escolares classificados como priscas eras. Eles, porém, me competentizaram a estudar com a neta, pelo que lhes sou grata. (E sim, minha neta e eu fomos muito bem na prova.)
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

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