Política

Durante algum tempo trabalhei como professora de Filosofia em escola pública. Cheguei às classes cheia de esperança, acreditava que teria

02/09/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Durante algum tempo trabalhei como professora de Filosofia em escola pública. Cheguei às classes cheia de esperança, acreditava que teria muito trabalho, que teria que buscar minha competência enferrujada, dada a opção pela suspensão de anos do trabalho letivo para dedicação exclusiva à criação de filhos. Chamaram-me atenção, pela ordem, a expectativa de poucos alunos quase tão grande quanto minha ansiedade; a displicência de muitos pelo que consideravam estudo desnecessário e chato; a avidez de conhecimento de alguns e o total desinteresse da quase maioria. Panorama nada promissor. A primeira tentativa de estímulo, numa das aulas iniciais, foi traumática. Chico Anísio estava no auge, a Escolinha bombava. Cheguei à classe do terceiro colegial, apresentei-me. Pesado e meio ressabiado silêncio no recinto. Respirei fundo e comecei. Perguntei até meio séria, tremendo de insegurança: ‘alguém já ouviu falar em Sócrates?’. Milhares de olhares trocados de todos os ângulos, linguagem eloqüente do silêncio. Dois jovens se manifestaram, quase ao mesmo tempo. O primeiro disse âôôôô!... Gargalhadas. O segundo fez suspense, levantou-se devagar, colocou as duas mãos no peito como se segurasse as lapelas de um paletó invisível, empostou a voz, respirou e discursou. ‘Estimada mestre! Sócrates não seria aquele jogador feio, formado em medicina aqui perto, em Ribeirão Preto, irmão daquele outro jogador de futebol bonito chamado Raí?’. Não precisava ser gênio para perceber que imitava o Rolando Lero, da Escolinha. A classe veio abaixo e eu, confesso, participei do riso coletivo. O rapaz era mesmo hilário. Ironicamente foi essa turma que presenciou o início dos trabalhos da Constituinte em 1988, com atenção e cuidado. Abri mão dos filósofos, para acompanhamos juntos o momento histórico no qual a Assembléia Constituinte, instalada no Congresso Nacional em Brasília, elaborava nova Constituição democrática para o Brasil, após 21 anos sob regime militar. 
 
No ano anterior, em 1986, foram realizadas eleições gerais. Na época alguns defenderam a formação da Constituinte Exclusiva, que seria formada por representantes eleitos com a finalidade de escrever a nova Constituição. No entanto, foi o Congresso Constituinte o responsável pela elaboração da nova Carta Magna. Deputados federais e senadores, recém-eleitos, acumularam funções de congressistas e constituintes. Eram 559 congressistas. Liderados por Ulysses Guimarães, eram do grupo Aécio, Lula, Renan e Temer. Eduardo Cunha, não, essa peste veio depois. Também constituinte, estava lá o francano Ayrton Sandoval. Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma governaram nosso país regidos por essa nova Constituição, que substituía a de 1967, a sexta que tivemos desde 1824 e que dirigiu o país com mão de ferro após a ditadura militar. 
 
Trabalho inútil, desperdício de tempo e muito dinheiro. Hoje, partícipe de terrível momento político e ciente da corrupção que grassa na política brasileira, lembrei-me da proposição simples de Capistrano de Abreu que propunha a substituição de todos os capítulos da Constituição por ‘Artigo Único — Todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara’. Com isso, talvez políticos começassem a proceder decentemente na vida pública. 
 
Eleição é coisa séria. Eleitores devem ser sérios. Candidatos precisam ser sérios. A vida pública exige seriedade. Eleitos que passam a governar, se não forem sérios, acabam com as instituições que deveriam garantir e preservar. Quem votou, escolheu, elegeu precisa estar atento a tudo que acontece na vida política do seu país, vida gerenciada por aqueles cuja ascensão e poder dependeu do seu voto, do seu escrutínio. Aqueles alunos souberam alguma coisa sobre Constituição. Os candidatos a cargos políticos de Franca conhecem o assunto? A vocação política desses candidatos nasceu do desejo de visibilidade e exposição ou é desejo de servir e representar o povo? Perguntas é o que não nos falta. Pena que não leciono mais. Assunto também não falta. 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

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