Sustos

Adolescentes em geral, de qualquer década, precisam ter e reverenciar ídolos. Faz parte de sua sanidade mental a ginástica emocional

19/08/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Adolescentes em geral, de qualquer década, precisam ter e reverenciar ídolos. Faz parte de sua sanidade mental a ginástica emocional de canalizar afeto, admiração, desejo, sonhos por pessoas que talvez elas jamais conheçam pessoalmente, embora tenham tido sonhos incríveis com elas. 
 
Faz parte do culto ao ídolo descabelar diante dele — principalmente se musical —, imitar trejeitos, roupas, cabelo; dormir na fila prá comprar ingresso do show; colecionar recortes de revistas e jornais deles, atividade atualmente substituída pela veneração virtual.
 
Adultos também precisam de ídolos, de cultivar admiração por pessoas, ver nelas espelho ou o lado oculto de si mesmas, mesmo que não descabelem ao vê-las, nem imitem trejeitos e roupas. Na fase adulta aprende a admirar nos escolhidos como ídolos, principalmente o que sabe não ter condição alguma de ser. Ou obter. Ou alcançar. Ou ter. E os ídolos são usados como parâmetros para ele entender e avaliar sua própria dimensão. 
 
Adultos, homens e mulheres independentemente de idade, situação social (ou reconhecimento) cultivam ídolos. Nós os elegemos entre criaturas do cotidiano, esporte, política, trabalho, literatura, televisão ou cinema, em todas as áreas da atividade humana. Também tenho os meus. Não são poucos e, sem que o saibam, ajudam-me a desvendar meu mundo e circunstância. 
 
Recente filme chamado Pete’s Dragon, tem Robert Redford no elenco. Vê-lo na tela imensa e de alta resolução do cinema trouxe-me ligeiro desconforto, quando me pus a comparar o homem por trás do artista que via ali, com o outro de O grande Gatsby, Entre dois amores, Nosso amor de ontem e até Proposta Indecente, quando já não estava tão jovem como em Um golpe de Mestre. Robert Redford faz parte da minha particular lista de ídolos da adolescência e maturidade, setor cinema, onde estão também Alain Delon, Paul Newman, Sean Connery, Colin Firth, Brad Pitt, Jude Law, Tony Curtis, Rodolfo Valentino, Clint Eastwood. Não digo que seja minha lista de desejos, sou mulher romântica. Redford na tela, o Anjinho do Mal assustado e sentado no meu ombro sussurrou: ‘Viu o que a idade faz?’ 
 
Robert Redford ontem, 18 de agosto, completou 80 anos de idade. Ainda atua, dirige filmes, tem invejável currículo de trabalho e reconhecimento dos profissionais de sua área, que exibe através de inúmeras premiações. Tem rugas no rosto e em volta dos olhos tão azuis quanto antes e talvez mais expressivos que nunca. Não faz o galã do filme, faz o avô que acredita em dragões e que ajuda a salvar pessoas e bichos, espécie de herói da terceira idade. Meu desconforto, ao vê-lo tão ampliado e real na tela, veio do fato de reconhecer que envelhecer ainda me é muito traumático. Ver Robert Redford em proporções gigantescas me fez pensar em mim mesma ali aumentada mil vezes e também a exibir evidentes sinais de envelhecimento. Não foi, de fato, nada aprazente.
 
Porém, anos de terapia me ajudaram bastante. Deslumbrei, com a idade, revelações dos meus mais íntimos recantos aos mais escancarados deles. Percebi-me mais generosa comigo, não me cobro demais; reconheço o que quero, não quero ou não dou mais conta de fazer. Percebi que já não me contrario tanto e hoje não vou, se não quero; ou fico, se desejo. 
 
Ganhei autonomia, ninguém mais me chama de teimosa ou renitente, embora eu ainda seja: ganhei respeito. Não descarto a vontade de parar o tempo e evitar a degeneração que ele provoca, mas sei que é impossível — tenho certeza. É ilusão poder correr; comer o que bem entender; relegar cuidados de saúde; passar noite inteira em claro. 
 
Na verdade, descobri, eu posso tudo. Só não posso achar que tenho 30 anos. O desconforto passou e Redford continua lindo e na lista.
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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