Circos

Não sei como nasceu a paixão. Vovó talvez dissesse ser coisa de vidas passadas; que talvez eu seria reencarnação de alguma romana daquele

05/08/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Não sei como nasceu a paixão. Vovó talvez dissesse ser coisa de vidas passadas; que talvez eu seria reencarnação de alguma romana daquele tempo em que ofereciam pão e circo para o povo. Quem sabe em vidas passadas eu tenha sido nada mais, nada menos que saltimbanco nômade a rodar de cidade em cidade, de povoado em povoado divertindo o povo ou fazendo-o prender a respiração com meus malabarismos? Influência do meu pai, que também gostava, quem sabe? O princípio, o motivo da razão do meu fascínio se perdeu no passado, mas a paixão, essa continua. Sou alucinada por circos. 
 
A Franca antiga, que tinha apenas dois prédios com elevador e oferecia padrão de vida de altíssimo nível - tranquilidade e segurança - recebia com bastante freqüência a visita de circos. Grandes e pequenos; de alto padrão e mambembes; famosos e obscuros. Quase sempre eram montados no imenso terreno baldio que ficava ao lado de um dos prédios, o do bairro da Estação, considerado periferia. Morávamos lá. 
 
Do apartamento, acompanhávamos todos os processos da instalação de cada circo. Pendurados na janela, víamos a chegada dos encarregados da montagem, os veículos adaptados que serviam de alojamento para eles e às vezes até para os artistas. Chamava-nos atenção a metamorfose das Kombis que compunham a frota circense: chegavam como veículo de transporte; horas depois viravam casa com varanda (pedaço de lona, à guisa de marquise, que cobria a porta lateral do veículo onde ficava presa); tapete de sizal no chão da entrada; vaso de samambaia pendurado nas traves da marquise. Às vezes até gaiola com canarinho. Ficavam estacionadas em círculo, ao lado do circo já armado. Os freqüentadores não percebiam, mas lá do alto acompanhávamos toda a movimentação. Às vezes fazíamos amizade com os artistas e mamãe fazia bolo pra gente levar para eles. 
 
Meu entusiasmo e desejo de aventura sempre eram tão grandes, que certa ocasião recebi convite para seguir com a troupe. Sondaram-me, imagino que tenha aquiescido, o diretor do circo foi até o apartamento com a trapezista, conversou com minha mãe, saiu de lá com um quente e dois fervendo. Quando ela percebeu o tamanho da minha responsabilidade na atitude do diretor, me pôs de castigo, pediu desculpas ao rapaz e à moça. Chorei, considerei mamãe a bruxa que me impedia futuro circense glorioso. Mães conhecem filhas; certeza. Se eu sonhava com estrelato e trapézios, caso seguisse com eles teria ganho no máximo, pelas minhas qualidades físicas e talento, pá e balde para tirar o cocô dos animais do picadeiro. Foi absolutamente frustrante meu sonho de ser artista circense mas como respeitável público conheci o Circo Stankowich, a companhia mais antiga do Brasil. Vi Tihany, um dos maiores circos do mundo. Entrei emocionada no Circo de Nápoli segurando as mãos dos meus filhos, como papai fez comigo, muito tempo antes. 
As tragédias do Gran Circus e do Circo Vostok me abalaram. E recentemente levei as netas para conhecer o Cirque du Soleil. Bom currículo circense, de fato. 
 
Sábado fui ver o Circo Mirage. Seguindo antigo ritual, entrei, comprei pipoca, me acomodei e passei para outra dimensão. Percebi-me emocionada e perdida em pensamentos. Antigo texto voltou-me à lembrança. ‘Cada vida humana é um Maior Espetáculo da Terra. Cada um de nós, em certos momentos, foi Palhaço ou Malabarista, o Contorcionista, Trapezista, o Mágico ou mero Espectador. Muitas vezes domou a Fera, em outras, foi a própria Fera. Não raro ajudou: catou sujeira, recolheu lixo. Enfrentou o Globo da Morte; atrapalhou ao chutar o pau da barraca ou pôr fogo no circo. Fez rir, chorar, gargalhar; igualmente riu, chorou e gargalhou. Grande e original espetáculo que, infelizmente, de uma hora para outra, chega ao fim. Não é, aliás, a primeira vez que digo isso em texto. 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 

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