Memória

Visitei, há tempos, exposição que homenageava e valorizava o Papel, matéria prima de cadernos, livros e material utilizado pelo ser humano

17/06/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Visitei, há tempos, exposição que homenageava e valorizava o Papel, matéria prima de cadernos, livros e material utilizado pelo ser humano há muitos, muitos anos. A exposição resultavade intensas pesquisas e visível demanda de tempo na busca de elementos, triagem, definição de forma e conteúdo do material. O homem, na sua trajetória, teve sempre necessidade de registrar idéias e representar seu mundo, fosse através de palavras, pinturas, e monumentos que se tornaram testemunhas de seu desenvolvimento. Paredes rochosas, pedras, ossos com desenhos feitos por nossos ancestrais nos mostram como eles viviam, seus interesses, força e fragilidade. Bons séculos depois, quando a complexidade, modos de vida e a inteligência humana se avolumaram, cresceu a sofisticação nas formas de registrar idéias e, para isso, inventam e criam em diferentes tempos as tábuas de barro cozido; tecidos de fibras diversas — especialmente a seda —, papiros e pergaminhos. O papel surge na China, onde também serão inventados os primeiros tipos móveis utilizados para impressão, técnica que séculos mais tarde seria aprimorada por Gutenberg. Ninguém sai internamente do mesmo jeito que entrou quando visita exposições dessa natureza. Alguma modificação se processa dentro de nós toda vez que nos é apresentado conhecimento novo ou nos revelam ângulo desconhecido do que nos é familiar. Lembro-me de sair dali dando outro valor e dimensão ao papel do Papel na vida humana. 
 
Visitei, recentemente, a British Library, ou Biblioteca Britânica cujo acervo possui aproximadamente 150 milhões de itens que crescem anualmente, e a tornam biblioteca das maiores no mundo. Em sala especial estão reunidos, os ‘Treasures of the British Library’, tesouros humanos, 200 documentos originais que ‘marcaram, notadamente a história do ocidente, os campos da ciência, literatura, música, religião e política’. A Carta Magna, um dos mais importantes documentos do mundo, de 1215, ponto de viragem na luta para estabelecer a liberdade e direitos humanos, está ali, em destaque. Desenhos e escritos de Leonardo da Vinci; a bíblia de Gutenberg; as primeiras impressões das peças de Shakespeare; o primeiro livro de Oscar Wilde; primeiras edições de Jane Austen; partituras de Beethoven, Bach e Haendel; a letra de Imagine, escrita à mão por John Lennon. Impressionaram-me a carta manuscrita de 1528, na qual Henrique VIII pede a anulação de seu casamento para se casar com Ana Bolena, também signatária; o Alcorão com texto definitivamente codificado em 651; a Bíblia conhecida como The Moutier Grandval, de 830-840; o livro chinês de 3 metros de comprimento escrito sobre seda; e edição da Ilíada, de Homero, de 1466. Oportunidade de repensar o papel do Papel na salvaguarda da história humana. 
 
Tesouros da humanidade, senti-me dona deles, o que justificou reverência e carinho pelas peças. A emoção de conhecê-las ao vivo, todavia, transcendeu tais sentimentos. Avivou-me a certeza de que sou parte do grande complexo formado por todos aqueles que existiram antes, co-existem e existirão depois de mim, independente de situação geográfica, econômica, social, grau de instrução. De alguma forma me conecta com criaturas que nem imaginam que existo, ou vice-versa — criaturas que louvo, criaturas que odeio; que me repugnam ou fascinam; que amei, amo ou amarei. O papel desperta sentimento de agregação, independente de tempo ou localização espacial; traz conhecimento e dispersa trevas da ignorância. É democrático: aceita, leva e traz propostas de negócios; sentenças de morte; textos literários que fazem rir, chorar; cartas de amor ou de alforria, que libertam ou aprisionam. Transforma-se em possibilidade financeira, se emitido e padronizado por governo. Junto com edificações de barro, cimento ou pedra, o Papel é guardião da memória humana e nós, administradores temporários, responsáveis por sua preservação.
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

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