Dores

Ouvia Elis Regina cantar a belíssima Moda de Sangue. Ouvia calada, enquanto voltava à lembrança a incrível capacidade da cantora passar emoções como alegria, tristeza, dor, raiva,

06/05/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Ouvia Elis Regina cantar a belíssima Moda de Sangue. Ouvia calada, enquanto voltava à lembrança a incrível capacidade da cantora passar emoções como alegria, tristeza, dor, raiva, protesto e solidão, através das músicas que interpretava, tão verdadeiramente que ninguém a substituiu. Baixinha e geniosa, corajosa nas relações humanas, defensora de grandes ideais, o processo de seu envolvimento com drogas talvez se devesse a fase de baixa-estima. Talvez porque não conseguisse carregar o peso do sucesso, do crescimento pessoal e da prosperidade. O pensamento fluía, enquanto era levada a questionar sobre quais seriam as piores emoções humanas. Final trágico para a sequência de sombrios pensamentos: nada dói mais que Remorso e a Solidão. 
 
Raciocinando em termos de polaridades — quando um sentimento anula o outro — ganhamos Esperança e possibilidade de encontrar paliativo para o Ciúme. Como? Aprendendo o Desprendimento e a Independência. A Covardia se combate desenvolvendo Coragem. Para Desapontamento? A Satisfação. A Frustração desaparece, quando a Aprendizagem se manifesta. Ganância invalida-se com Desapego.
 
Muito, muito antes de Cristo, os gregos criaram dramas nos quais aparecem esses sentimentos que nos atormentam desde que soberbamente nos tornamos bípedes. Se não lhes coube a glória de descobrir as soluções pertence a eles a fama e a honra de dar as ‘explicações’ sobre a origem e a nominação de todos os males do mundo. Como se espalharam os infortúnios que assolam a humanidade? Recorro novamente ao Mito de Pandora. 
 
Os homens viviam tranquilos no Olimpo, abrigados do mal e doenças. Zeus, irado, por descontentamento e inveja, castigou-os tirando-lhes o fogo, a força vital. O Titã Prometeu desafiou Zeus e furtou o fogo do céu, devolvendo-o aos homens. Zeus, mais enfurecido ainda, pede a Hefesto a criação da primeira mulher, para ser portadora de presente que levaria a perdição à humanidade. Modelada em argila, ela recebeu vida e alma. Colaboraram Atená, Afrodite, Cárites, Persuasão e Hermes para torná-la irresistível: deram-lhe beleza, inteligência, adornos, astúcia e o dom da palavra. 
 
Estava criada, pronta e acabada aquela que recebeu o nome de Pandora que, ao descer do Olimpo, trouxe uma caixa nas mãos. Não sabia, mas ali estavam todas as calamidades que atormentariam os homens. Curiosa, apesar de ter sido advertida para não abri-la, desobedece. Foi quando saíram voando todos os infortúnios que atormentam a espécie humana. No fundo da caixa só ficou a Esperança, que ainda permanece com os Homens — ‘a Esperança é a última que morre’. Espalharam-se todos os males: a Ambivalência, a Dominação, a Crueldade, a Hipocondria, a Manipulação, o Tédio, a Teimosia, o Medo, e tantas outros sentimentos que nos impedem a felicidade. 
 
Remorso e Solidão são os piores desses sentimentos. A Psicanálise ajuda a descobrir a origem de ambos, porém mesmo que a descubramos, combatê-los e buscar a cura desses dois males em particular, é muito complicado. Vejamos. O Remorso é fruto da Culpa e ninguém se livra dela ou racionaliza sob o peso que ela provoca. É difícil destruir decadentes, ultrapassados, estranhos preceitos morais de tão repetidos, cristalizados na consciência. Pior, a educação escolar e/ou religiosa que recebemos foi calcada em cima de deveres e obrigações. Não me lembro de ter sido incentivada a ser feliz, antes de sofrer, para ganhar o reino dos céus. E a Solidão... Ah! essa sensação de estar separada, apartada, desunida, sozinha, mesmo que cercada de por multidão de amores. Ah! essa dificuldade de ser entendida e de entender. Ah! essa tristeza ao perceber um muro invisível que isola. Ah! essa dificuldade de pedir acolhimento. Ah! essa triste condição humana! A solução é ouvir Moda de Sanguee suspirar ao ouvi-la lamentar: ‘Mais uma 
vez, mais de uma vez, quase que eu fui feliz’
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br

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