Luminâncias

Enojada com a sujeira lamentavelmente visível no panorama político brasileiro, lembrei-me das vezes nas quais fui convidada a me filiar em algum

15/04/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Enojada com a sujeira lamentavelmente visível no panorama político brasileiro, lembrei-me das vezes nas quais fui convidada a me filiar em algum dos nove partidos políticos então existentes, para me tornar elegível. Nove partidos! Só para registrar, hoje são 35, fora mais 20  em fase de coleta de assinaturas. Além do número excessivo de partidos, outra curiosidade: as ideologias nas quais se baseiam suas atividades e formação. A do futuro Partido Pátria Livre é ‘nacional-desenvolvimento, socialismo político’; a do Partido da Mulher Brasileira, ‘Direitos da Mulher’. Pode?
 
Jamais, no entanto, me filiei a partido algum e jamais aceitei disputar qualquer eleição. E não me arrependo. Todavia me surpreendi pensando: será que eu, tão exigente e autointitulada incorruptível, caso fosse eleita, será que eu não teria também me deixado perverter? Será que resistiria às exigências ou convites escusos nas (tenebrosas) transações que costumeiramente ocorrem nas vereanças, deputanças e ‘senadoranças’? Será que eu teria mantido meu discurso de integridade ou teria afrouxado igual aos outros, fosse pela facilidade de ganhar fortunas ou por fidelidade, conluio, conchavo com relação aos companheiros, ou companheiras? À oferta de vantagens, o início do meu discurso seria veemente negação: não, nunca, jamais, em tempo algum, estou certa. Mas com relação à manutenção da negativa, eu não tenho tanta certeza, por mais que isso me cause náusea. Não pelos princípios que me foram inculcados, senão pela pressão, conivência e facilidade de adquirir bens e status. É tanto dinheiro envolvido, são tantas as gatezas e falácias, tantos argumentos para cooptação; prática de espertezas, certeza de impunidade, que talvez eu dissesse sim, a exemplo da maioria esmagadora de políticos e dirigentes que juraram fidelidade aos eleitores e afirmavam, no passado, abominar falcatruas. Talvez eu me pegasse a me perguntar, na calada da noite: que mal tem? Talvez, mesmo ré de algum crime financeiro, eu me sentisse como a pessoa mais honesta deste planeta e defendesse minha conta bancária ao mesmo tempo, sob a alegação de que corrupção está no meu DNA, brasileira que sou. Talvez, contando dinheiro escondida, eu desafiasse a polícia com minha esperteza. Talvez eu buscasse me esconder atrás de foro privilegiado. Talvez eu continuasse a defender minha inocência, estimulada pelos exemplos de impunidade. Talvez eu mantivesse meu cargo nos altos escalões, minha cara de pau, mesmo ré de processos administrativos. Exemplos e estímulo não faltariam. Pensando bem, resistiria ao mal, sim. Fui educada para isso. 
 
Nunca antes na história desse país se roubou tanto e tão descaradamente. Nunca antes o presidente deste país foi manipulado por ordens vindas de poderoso hospedado em hotel próximo à sede do governo. Nunca antes algum governo usou tanto a tática de acusar mais para se defender. Nunca antes se mentiu tanto para mascarar a miséria moral de quem recebe dinheiro para se calar, ou ser conivente. Nunca antes houve tanta farra com dinheiro público. Nunca antes algum presidente promoveu tantos eventos, dentro ou fora do palácio do governo, para se auto-exaltar através dos brados retumbantes daqueles que se beneficiam de seus favores. Nunca antes se propagou tanto a eficiência do governo federal em setores básicos da economia, mesmo que os resultados práticos desmintam os dados. Nunca antes a Saúde Pública foi tão aviltada. Nunca antes epidemias foram tão pouco combatidas. Nunca antes se manipulou tanto os resultados de eficácia do sistema educacional público brasileiro, mesmo diante do fato de existirem alunos no fim do segundo grau incapazes de ler ou interpretar um simples texto. Nunca antes, na história desse país tão grande parte da população deixou de se sentir pobre para se sentir miserável diante das parcas perspectivas de mudanças. Nunca antes, se sentiu tanto a falta de um líder na história brasileira. 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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