Desilusão

Não conhecia Ayn Rand, filósofa e escritora, quando fui a Cuba há poucos anos ou quando visitei a Croácia, há menos tempo ainda

01/04/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Não conhecia Ayn Rand, filósofa e escritora, quando fui a Cuba há poucos anos ou quando visitei a Croácia, há menos tempo ainda. Desconhecia a autora nas duas viagens a Praga, uma delas quando a República Tcheca havia recém nascido. Nada sabia dela no ano retrasado ao conhecer Berlim e o que restou do muro nem quando, no ano passado, fui a Moscou e São Petersburgo. Se a conhecesse, teria concluído antes que comunismo não dá certo, mesmo sendo ex-comunista, ou ex-simpatizante. O que vi quase foi o suficiente para desilusão completa com os resultados da prática da filosofia marxista-leninista. A autora, com simples frase, referendou meu sentimento. 
 
Entrei em Cuba com medo ao pisar no aeroporto precário, abarrotado, sujo, bagunçado e ver as guardas militares de minissaia, com meia arrastão. Só cabe um, no que chamam guichê da alfândega. Fui sozinha, sem espaço para me mover. Agressivo, o oficial perguntou “O que você veio fazer aqui?” “Vim pela minha latinidade e admiração pela música cubana”. Entrei. Por interminável minuto esperei do lado de dentro, sozinha, nenhuma comunicação com meu companheiro de viagem. Amedrontada, o tempo pareceu demasiado longo. O centro de Havana é deslumbrante, mas aconselho o turista olhar tudo com o recurso do Photoshop na retina, para evitar a visão desoladora e precária dos edifícios de construção maravilhosa arrebentados pelo mau trato: degraus de mármore arrancados, vidros quebrados, lixo amontoado nas ruas e calçadas, divisões internas dos espaços de madeirite ou folhas de flandres. Não há supermercados, apenas quitandas onde são oferecidas batatas, alguma verdura e frutas. Comércio pobre de poucas lojas melhores para turistas. Cuba Libre bebida ou país não existem. O ensino é gratuito, material e livros, não. Saúde é gratuita, remédios, não. E mendigaram na porta do hotel por minhas pulseiras, papel higiênico, pasta de dentes, sabonete. A prostituição corre solta, odeiam Fidel. E a música continua maravilhosa. 
 
A Croácia ainda se recupera, desde a separação da Iugoslávia em 1981. País pequeno, acidentado, cheio de paradisíacas ilhas, apaixonado por futebol, servido por boas estradas e meios de transporte e berço da gravata, enfeite masculino. Povo sofrido, conclui-se pelas exposições que retratam batalhas, agressões, guerra. Jovens e adultos relatam experiências pessoais dolorosas e terríveis. Se existiu paraíso comunista, definitivamente não fica, ou ficava, em Dubrovnik, Zagreb, Split, muito menos na ilha de Hvar, embora considerada maravilha da natureza. 
 
Chorei, diante do muro de Berlim. Cinema e literatura destruíram minha antiga admiração pelo regime comunista e, ao perceber a atroz divisão de uma cidade em duas, de um país em dois pelo muro e pelos soldados, concluí que comunista pode sim, comer criancinhas. A rudeza de tratamento dos guardas de Praga, expressa no contato com as pessoas, é fruto de experiência do povo com prepotência e arrogância. Moscou e São Petersburgo são inesquecíveis. Uma, pelo significado; outra pela beleza. Ambas guardam ranços do antigo regime, e se perguntarmos aos moradores se querem sua volta, são taxativos ao responder não. Sim, houve corrupção e roubalheira pelos membros do governo comunista desde 1917. Volto, encontro meu país à beira do caos.
 
Se conhecesse Ayn Rand, defronte ao que vi, minha decepção seria menor: “Quando você perceber que para produzir precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência mais que pelo trabalho e que as leis não nos protegem deles mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.” 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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