Jardins

Fascínio é sentimento difícil de ser definido. Atração? Deslumbramento? Encantamento? Fascinação? Tudo junto e misturado, eu diria.

19/02/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Fascínio é sentimento difícil de ser definido. Atração? Deslumbramento? Encantamento? Fascinação? Tudo junto e misturado, eu diria. Meus olhos se voltam em direção a determinada visão que, ao ser descortinada, tira o fôlego, me deixa sem palavras, eleva meu espírito, emociona e como que aprisiona meus sentidos. É isso que sinto ao entrar em qualquer jardim. Qualquer. Do majestoso Kew Garden até os discretos e despretensiosos jardins das casas de parentes de minha avó materna em Minas, que nem existem mais. 
 
O Kew Gardens é passeio obrigatório, deveria ser prioridade nas listas de lugares a visitar em Londres. Não está no circuito previsível do Parlamento, London Eye, passeio de barco pelo Tâmisa; muito menos do miolo Regent e Oxford Street, Piccadilly Circus, Leicester Square. Espaços como St. James, Regent e Holland Park exibem áreas jardinadas de fazer cair o queixo, todavia os Royal Kew Gardens são os mais extensos, antigos e prestigiosos jardins do mundo e ficam distantes do centro. São referidos na história brasileira como o local para onde os ingleses, responsáveis pela construção do porto de Manaus, levaram mudas de seringueiras pilhadas da Floresta Amazônica. Desenvolveram ali outras que, plantadas em países tropicais do império inglês, significaram colheita abundante e renderam — e rendem — muito dinheiro. Não fosse isso, creio eu, até a matéria prima da borracha, se tivesse ficado sob cuidados brasileiros, já teria desaparecido. Naquele imenso espaço os ingleses fazem piquenique sob árvores seculares, 
visitam exposições de arte ao ar livre, assistem shows musicais, realizam eventos, até casamentos. Os jardins dos parentes da avó materna estão na minha memória afetiva. Não eram jardins comportados e planejados. Árvores frutíferas — daquelas de escalar; e entre elas, aleatoriamente, nativos e espontâneos, surgiam pés de roseiras, aboboreiras, alfaces, tomateiros, marias-sem-vergonhas, viúvas-regateiras, capim, cravos de defunto, copo-de-leite, hortelã, erva-cidreira. Muito mato. 
 
Jardins são recorrências em grandes filmes. Senão temas, ao menos pano de fundo. Prova disso, têm destaque em produções como Nos jardins do rei (2014), Muito além do jardim (1979), O jardim secreto (1983), O jardim secreto (1993), The secret Garden (1987), De volta ao jardim secreto (2201), De repente é amor (2005), E se fosse verdade (2205), A filha do pai (2013). Grande plantação de limão é o assunto de um dos melhores filmes da minha filmoteca, o israelense Lemon Tree, de 2008. 
 
Geralmente é no outono, mas este ano adiantei-me, voltei olhos e corpo em direção a ele e me pus a trabalhar intensamente no meu jardim. Decidi por reformas estruturais para buscar o objetivo a que me propus: harmonia. Cansei-me do escuro provocado por pesadas e copadas árvores plantadas há muitos anos que obstruíam privilegiado espaço e cuja permanência se referia mais a comodismo que a necessidade, consenso visual ou beleza. 
 
Impus-me o que chamei de simplificação de assunto. Decidi eliminar vasos em excesso. Suprimi plantas que, debalde cuidados, adubos e vigilância, teimosamente insistiam em não se desenvolver. Arranquei ervas-daninhas, inços e pragas. Reorganizei, renovei vasos de plantas decorativas. Coloquei lé com lé, cré com cré, diria minha mãe. Tenho gostado do resultado, fruto do meu trabalho e da inestimável ajuda do quarteto fantástico Lucas, Onilson, Marlene e Ronildo. A coluna apresenta sinais de alerta. A manicure chora, quando chego. Minha pele, que é de segunda, exposta ao Sol, escureceu. O crocs, sapato de entrar no barro, está desmilinguido e apresenta sinais de maus-tratos. Não encontrei mosquita. O medo de lagartixas, escudo para evitar entrar nos canteiros, permanece, Todavia, diante da satisfação em enfrentá-lo e realizar objetivos, percebo que está sendo dominado e isso me envaidece. É provável que esteja, na verdade e principalmente, cuidando do meu jardim interno. 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

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