Carnavais

Muito recentemente o sonho de algumas moças se tornou sair nua às ruas no Carnaval. Coberto o corpo com purpurina, colocam tapa-sexo

05/02/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Muito recentemente o sonho de algumas moças se tornou sair nua às ruas no Carnaval. Coberto o corpo com purpurina, colocam tapa-sexo, sobem em sandálias de plataforma altíssima, daquelas que têm tiras que escalam as pernas, até quase no joelho. Faixa purpurinada aqui, faixa purpurinada acolá, elas vão para ruas, passarelas e televisão exibir coreografia ensaiada que valoriza, invariavelmente, bumbum malhado, seios siliconados, nariz operado, cabelão armado, sorriso cravado no rosto. Sonho realizado. Nada contra. Nada a favor, porém. Se acham que isso é realização de sonho, quem sou eu para discordar? Não são minhas filhas, irmãs ou sobrinhas e eu nem sou tão careta assim. Sou apenas ligeiramente envergonhada e, às vezes, me percebo desacostumada com idiossincrasias alheias, além de ignorante com relação a este tipo de anseio. As moças do meu convívio sonham cursar boa faculdade; com realização profissional; condições financeiras para realizar viagens, conhecer o mundo e lugares diferentes. As mais ousadas imaginam-se em locais distantes e exóticos. E há algumas que até sonham casar, ter filhos, essas coisas bobas de antigamente. Os tempos são outros, costumes, idem. 
 
No final desta semana o folião latente no interior do brasileiro dará jeito de emergir. Ou eclodir. Supitar, quem sabe? Talvez acordar. Afirmo isso, após ver nos jornais paulistanos a foto dos carnavalescos aglomerados na Rua da Consolação que atenderam ao apelo de Momo. Incontáveis, milhares, imensa massa humana. Pus-me a imaginar o que de efetivo poderia acontecer, caso o mesmo número de pessoas estivesse presente nas manifestações políticas do ano passado. Aquelas, lembra? nas quais pedíamos decência, honestidade, esclarecimentos, justificativas, mudanças. Perguntei-me, foi inevitável: que rumos teriam tomado as reivindicações com as quais grande parte do povo sonhou, caso a adesão fosse numericamente similar? A presidente foi ao Congresso essa semana. Vaiaram-na, ela se fez de desentendida, levantou a voz decibéis acima dos protestos, pediu que os congressistas votem a favor da volta do CPMF. Não falou em diminuir a quantidade dos ministérios, não disse uma palavra sobre o excesso de gastos públicos. Neste carnaval ela se fantasiará de Anjo, para sair no Bloco dos Santos, liderado por Lula? Ficou a dúvida. 
 
Meu carnaval será simples, e careta. Não irei para qualquer tríplex no Guarujá, fazenda no Uruguai, sítio em Atibaia ou ilha em Búzio. Quem sou eu? Não pertenço à família Silva. Ficarei em casa, ouvirei na vitrola os discos de vinil que reproduzirão — baixinho — as antigas músicas de carnaval. Não aumentarei o volume das caixas de som, por medo da patrulha ideológica regida por xiitas politicamente corretos. Não soltarei a voz para cantar ‘Olha a cabeleira do Zezé’!, receosa de que me processem por homofobia: alguém pode se entusiasmar e gritar Bicha!, depois do refrão ‘Será que ele é?’. Nem pensar em ‘Nega do cabelo duro, qual pé o pente que te penteia?’, e quero esquecer que um dia puxei o coro do ‘O teu cabelo não nega, mulata, porque és mulata na cor, mas como a cor não pega, mulata quero o teu amor’. Se eu desenterro o ‘Allah-la-ô? Mas que calor, ô, ô, Allah, meu bom Allah!’, serei acusada de blasfêmia e decapitada? Insisto no ‘Mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar!’ e certamente me enquadrarão no rol dos propináveis! Canto ‘Me dá um dinheiro aí’ alguém à espreita, me toma a sério e me coloca no rol da turma do dinheiro fácil. Total frustração com as folias de Momo este ano, ainda que duas marchinhas atualíssimas tenham me estimulado: Papa Luiz 51 — dedicada ao homem mais honesto no país, e Japonês bonzinho - aquele da Polícia Federal. 
 
Sem ânimo para ver mulher pelada, sem tolerância para reprimendas por incorreções políticas, farei retiro espiritual. Está decidido.
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 

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