Vingança

Dos meios para o final dos anos 60 fui passear em Poços de Caldas com querida comadre. Estigmatizada pela intensa movimentação política

29/01/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Dos meios para o final dos anos 60 fui passear em Poços de Caldas com querida comadre. Estigmatizada pela intensa movimentação política da época que me perseguiu e pichou, fui em busca não de água sulfurosa que me curasse algum problema, mas de ares benfazejos e revigorantes. Lá ninguém me conhecia, podia sair às ruas como uma garota normal sem pecados, sem que me olhassem como se fora extraterrestre ou, quem sabe, daquelas comunistas que, efetivamente, comiam criancinhas. A família dela, mineiríssima e desconfiada, jamais imaginou que eu saía de confinamento doméstico imposto pelos homens da lei porque, ora veja só, eu era comunista. Ou achavam que eu era. Ou eu mesma acreditava nisso. Foi em Poços que eu conheci Tãozinho, primo dela. 
 
Tãozinho era mais novo que eu um ano, o que fazia grande diferença na época. Virou meu guarda-costas. Ninguém se aproximava de mim, sem que ele autorizasse. E ele não deixava. Sentia-me protegida e a rainha da cocada preta com ele me seguindo por toda parte, defendendo-me de assédio. Não rolou qualquer aproximação amorosa entre nós, embora ele jurasse nas raras oportunidades de nossos poucos reencontros, e às gargalhadas, que fui seu primeiro amor frustrado na vida. Casou-se várias vezes, e atribuía o fato — às gargalhadas — à decepção que lhe causei no passado. Nunca soube se isso era mais uma de suas piadas. Devia ser, acredito. 
 
Depois daquelas férias em Poços, só nos reencontramos muitos anos depois, quando eu já estava casada, com filhos, dona de casa, publicava meus textos no jornal. Burguesa, na ótica dele. Ele era repórter da Veja premiado por alguns trabalhos, tinha destaque na revista, assinava coluna de agronegócios no Estadão, era famoso, morou em Paris, escreveu livros, foi entrevistado pelo Jô, tinha virado comunista. Veio a Franca fazer matéria sobre a indústria de calçados, precisava entrevistar meu marido que na ocasião era nome ativo na indústria local. Procurou-me, fiquei bastante surpresa, contei que seu alvo ultimava preparativos para viagem. Que eu desse jeito de se encontrarem, pediu. Recebi os dois, ele e o fotógrafo, em casa. Fizeram a matéria enquanto o entrevistado fazia sua mala. Foi embora, só voltei a vê-lo coisa de trinta anos depois. Cabeça branca, bastante doente, aposentado, não escrevia mais, fã do Lula, tinha fé que Dilminha, como a chamava, seria eleita e daria sequência ao expressivo trabalho de seu antecessor. Considerava José Dirceu gênio, Elio Gaspari reacionário, Diogo Mainardi, com perdão da expressão, f.d.p. Citava os dois últimos só para eu ver no que a Veja tinha se transformado, depois de sua saída! Perdi sua amizade quando ele leu post meu reiterando pesadas acusações à turma do governo. Foi indelicado, grosseiro, rude e descortês. Sumiu do mapa algum tempo, arrependeu-se, tentou se reaproximar, fiz ouvidos moucos. Morreu sem fazemos as pazes. 
 
Lembrei-me dele por causa de comentário do mesmo Gaspari a respeito da reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Dilminha. Nasceu composto por noventa grandes empresários entre eles Marcelo Odebrecht, José Carlos Bumlai, o ex-conselheiro João Vaccari Neto e José Dirceu que, por ironia, assinou o ato de criação do organismo em 2003. Estão presos e foram substituídos. Gaspari comenta que ‘é difícil imaginar outro grupo de pessoas com semelhante desempenho. Para se ter uma ideia do que significa a porcentagem de 2% de presos, vale lembrar que a taxa de brasileiros encarcerados para cada cem habitantes é de 0,3%.’ Senti-me vingada, e poupada de ouvir clichê tipo ‘nunca antes na história desse país’ outro governo fez tanto pelo povo. 
 
Quanto à reunião, soluções de Brasília não virão. Renderá marketing e oportunidade para a presidente repetir que ‘o Brasil não parou, nem vai parar’ e receber novos aplausos dos puxa-sacos.
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

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