Esperança

Sim. Moramos num país tropical, bonito, de natureza exuberante, abençoado por Deus. Quanto às primeiras assertivas, correto; mas abençoado?

08/01/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Sim. Moramos num país tropical, bonito, de natureza exuberante, abençoado por Deus. Quanto às primeiras assertivas, correto; mas abençoado? Há controvérsia. Sim, o nosso é povo que trabalha: basta observar a imensa massa humana que levanta cedo, pega condução, sai em busca de salário e cumpre obrigações. Forma a maioria da população, bem maior, muito maior até que a de salafrários que correm para as filas de banco todos os meses a fim de buscar a sacrossanta ajuda do governo. Bom que se lembre, ajuda financeira extorquida em forma de impostos, que aquela imensa massa trabalhadora pagou. Sim, temos excelente humor. Sabemos rir de nossas desgraças, fazemos piadas sobre tudo e todos, e nada escapa à agudez, percepção, agilidade mental, sutileza e perspicácia do nosso povo, tanto assim que para todos — de A a Z, legislativo, executivo, judiciário, homens e mulheres, personalidades municipais, estaduais, federais, artistas, descendentes de todas as etnias — há sempre uma piada pronta. Aliás, o nosso é chamado de ‘País da Piada Pronta’. Isso me deixa envergonhada. Posso até rir, mas sinto o rubor subir ao rosto quando percebo que, na verdade, rio de mim mesma ao ouvi-la. 
 
O começo do ano não trouxe muita alegria a francanos que caíram no conto do vigário dos irmãos supostos agentes de viagem. A notícia do infortúnio, a descrição dos ônibus, das acomodações, a campanha para que conseguissem voltar, tudo provocou alguma revolta em quem ouviu: o francano, como o brasileiro, é solidário não apenas diante do câncer. Mas também provocou risos — pimenta em certas partes do corpo do próximo não arde no outro. Imaginações voaram ao reproduzir a estupefação, a decepção dos incautos viajantes. Pareceria cena de chanchada brasileira que usa a dor alheia como motivo para hilaridades. Pareceria, mas a dor alheia bate em nós, quando a empatia se faz presente. À semelhança do grupo francano que foi para Cabo Frio, os brasileiros sofrem enganos e malogros. Somos piadas de nós mesmos.Todos os dias. 
 
Pagamento de impostos, taxas e tributos, por exemplo. Embutidos em todas e quaisquer prosaicas transações comerciais desde a aquisição de gêneros alimentícios, material escolar, pagamentos em restaurante ou hotel, tíquete de cinema, remédios, compra do carro, picolés ou sorvetes - em todas as nossas atividades sociais ou culturais, estão embutidas as contribuições, cujas siglas muitos políticos desconhecem o que significam. Sobre o consumo pagamos: IR, INSS, PIS, COFINS, ICMS, IPI, ISS, IPTU, IPVA, ITCMD, ITBI, ITR; mais tributações como taxas — limpeza pública, coleta de lixo, emissão de documentos. Resumindo: se você trabalha, paga impostos. Se você emprega, produz, consome, paga impostos. Até para ser enterrado há que se pagar impostos. É tanta contribuição que, em 2015, o cidadão brasileiro trabalhou o equivalente a cinco meses, somente para pagar sua carga tributária. O Impostômetro brasileiro acusou a arrecadação dos últimos dez anos de 13 (treze) trilhões de reais. Não diz quanto foi desviado. Há alguém rindo da ingenuidade, boa-fé, e até da raiva que sentimos ao tomarmos consciência do montante de impostos explicitados nas notas fiscais que nos entregam. Certeza. 
 
Já imaginou? Treze trilhões de reais. Dava para resolver a situação dos hospitais públicos; para solucionar a precariedade de nossas escolas; oferecer educação de verdade e oportunidades para os jovens. Dava para recortar esse país com estradas e ferrovias de qualidade, construir malha de riachos e rios no nordeste inteiro. Dava para acabar com a miséria, com a insegurança, retribuir correta e decentemente cada trabalhador, incentivar a indústria e aumentar vagas de empregos. Dava até para diminuir nossa inferioridade diante de países mais desenvolvidos. Quando tomarmos consciência das nossas tantas perdas, pararemos também de rir dos tantos enganos e malogros que sofremos diariamente, há décadas. 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 

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