Árvores

Da primeira, não me lembro. Era muito pequena e o tempo no qual eu era pequena vai longe, muito longe. Devia ser mirradinha, que ganharam corpo

04/12/2015 | Tempo de leitura: 3 min

Da primeira, não me lembro. Era muito pequena e o tempo no qual eu era pequena vai longe, muito longe. Devia ser mirradinha, que ganharam corpo e turgência bem recentemente, na verdade depois que Hollywood descobriu que Natal dá Ibope, e os modelos que as lojas da 5ª Avenida divulgam tornaram-se os mais cobiçados. Antes disso, nem luzinhas tinham. Galhos fraquinhos, fininhos, uma judiação. Os enfeites eram de material quebradiço, diziam até que se cortássemos os dedos com eles, teríamos tétano. Não sabíamos o que era tétano, mas pressentíamos que não devia ser coisa boa porque havia injeção contra o mal e morríamos de medo de qualquer injeção. Hoje acredito que era recurso que mães usavam para evitar que os filhos bulissem com as bolas, homem de neve, papai Noel, sininho — formas tradicionais dos enfeites daquela época. Aquelas árvores de Natal da minha infância eram fincadas em lata de vinte litros revestida de papel laminado ou, nas casas mais abastadas, em vaso de cerâmica pintado de dourado. Se não tinham iluminação, o aspecto festivo era dado pelas bolinhas de algodão puxadas diretamente do pacote e, esfiapadas, colocadas uma a uma e lado a lado sobre os galhos esquálidos do falso cipreste. Quanto mais algodão, mais achávamos que nevara. E, naquela época, imaginação infantil ganhava longe de modelos tecnológicos adultos. Que saudade! 
 
Já defendi a tese que a árvore de natal brasileira devia ser o coqueiro. Sugeri que os enfeites fossem frutas de verdade e que nosso Papai Noel usasse bermudas, camisa estampada, sandálias. Influência da Tropicália, que apregoava modificações estéticas radicais. Ainda bem que ninguém me levou a sério: há muito mais charme na cópia do modelo europeu de decoração natalina. Dizem, o cipreste é a árvore escolhida como símbolo do Natal porque, entre todas aquelas do hemisfério norte — como as do Canadá, Escandinávia, Rússia, norte dos Estados Unidos, e as de tantos países que nos meses de inverno ficam sob neve, sem folhas, secas e parecem mortas — ele é a única árvore a conservar folhas e permanecer verde. É que, explicam, apesar da inclemência do tempo, faz lembrar com seu verdor no meio da paisagem branca e inóspita, que a natureza um dia reagirá e, como sempre, voltará exuberante no tempo certo. Maior significado de Esperança, não há. E o que é o Natal senão tal promessa?
 
É provável que aconteça em todas as cidades do hemisfério norte. Mas nas pequenas e grandes cidades da Inglaterra, há quinze dias, a venda de pinheiros para a montagem das árvores de Natal terá se intensificado. Ecologicamente corretos, os agricultores plantaram bem antes, grandes extensões de terra dessas árvores cujas pontas eles cortam e vendem. Dentro de um ano as árvores matrizes estarão recuperadas e prontas para novos cortes. Levadas para as cidades, as pontas são exibidas nas calçadas em frente aos estabelecimentos comerciais e vendidas embrulhadas em plástico especial, tipo rede. O consumidor as escolhe segundo o tamanho de suas salas e as levam para casa amarradas com grossas cordas no teto dos carros. Assim reza o protocolo, dando início aos preparativos festivos. É muito raro lá o uso de árvore artificial para decoração de natal. 
 
As árvores de Natal não são invenção inglesa — já existiam há séculos, muito antes do significado cristão que ganharam. O primeiro a levá-las para dentro de casa teria sido Lutero, o monge protestante alemão do século XVI, mas sua popularização teria se dado em 1846, quando a rainha Victoria, Albert e filhos apareceram em ilustração de jornal londrino, em torno de uma árvore de natal. 
 
Se os muçulmanos permitirem, essa tradição inglesa permanecerá inalterada e, com ela, a possibilidade de paz para todos, naquela terra que sempre os acolheu. 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 

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