Teorias

Cresci ouvindo minha avó materna falar de espiritismo. Guerreira, aprendeu a ler depois de moça, porque era a caçula do primeiro casamento

13/11/2015 | Tempo de leitura: 3 min

Cresci ouvindo minha avó materna falar de espiritismo. Guerreira, aprendeu a ler depois de moça, porque era a caçula do primeiro casamento, perdeu a mãe ao nascer e todos da família a tratavam como bibelô. Criança chata e insuportável, voluntariosa, mimada, mandona e birrenta. Aprender a ler e frequentar escola era chato, ficava em casa, com as bênçãos do pai. Cresceu, amansou, quis ler poesias, alfabetizaram-na. Mais tarde, revelou-se Kardecista, era leitora de livros espíritas e amiga de Chico Xavier que lhe enviava todos os livros que psicografava, com dedicatória amorosa e fraterna. Ainda hoje, quando ouço a Prece de Cáritas, eu o faço com reverência e saudade: ela abria os braços para dizê-la, fechava os olhos, levantava a cabeça e a declamava com invejáveis fé e calor. 
 
Assim, reencarnação, resgate, evolução e apuração do espírito em muitas vidas, vida depois da morte e em outros planetas, predestinação, pagamento de dívidas morais contraídas em outras encarnações são assuntos conhecidos e jamais causavam estranheza quando a família se reunia.
 
Dificilmente vejo programas televisão, a exceção de alguns noticiários, mas tomei conhecimento através de jornais da estréia de novela de televisão que abordaria o tema da reencarnação. Fiquei curiosa. A trama prenunciava interessante história. Casais que se amavam, amores mal resolvidos, assassinatos, maldades, fuxicos, interesses escusos, pitada de comédia, bondade, orgulho, preconceito, bons e maus caracteres, servidão e intolerância religiosa na primeira parte passada no final do século XIX. Retratos da vida. Na segunda parte, nos dias atuais, novas composições com as mesmas personagens. Fiquei interessada. E, pela segunda vez na vida, passei a ligar a televisão às 18 horas, para acompanhar a novela. A primeira, foi quando da adaptação de A megera domada, de Shakespeare, revisitada como O cravo e a rosa. 
 
A maldade de alguns, a bondade de outros, a passividade de muitos, o desenvolvimento espiritual de poucos na novela, têm me fascinado. Na primeira fase, a condessa arrogante, vingativa e prepotente é mãe do rapaz mentalmente prejudicado depois de emboscada que ela preparou para matar a moça por quem ele se apaixonara, na qual ele se fere por engano. Ela volta como mãe da nora que, na infância foi abandonada por ela e agora, adulta, quer vingança. Ambas, desde a encarnação passada têm os mesmos traços de personalidade, se parecem muito, daí não se bicarem. O par romântico morre na primeira fase e agora se reencontra, ele casado com a mulher responsável na vida anterior pela tentativa de morte da mocinha; a mocinha, noiva daquele que foi responsável pela morte de ambos. Claro, mantêm os traços de personalidade da vida anterior e se vêem acuados pelo medo de perder os parceiros. 
 
O roteiro é bom, até meio intricado à primeira vista, a autora dentro dos princípios espíritas me parece coerente, os artistas são excelentes. Dizem, tem atraído um público diferente daquele ao qual tradicionalmente as novelas das seis horas da emissora cativa. A mim, tem-me feito repensar. A teoria apresentada na trama tem certa lógica. O que faz as pessoas se amarem? O que faz as pessoas se odiarem? Por que algumas pessoas nos atraem à primeira vista, enquanto outras são absolutamente intragáveis sem nem a conhecermos? Por que mães perdem filhos? Por que filhos perdem mães? Por que adoecemos? Por que vivemos neste país, ao invés de ser em outros mais desenvolvidos? Qual a razão de sermos às vezes injustamente acusados por maledicências e mentiras? Para todas essas perguntas — e milhares de outras — a teoria da reencarnação tem respostas. É, no mínimo, confortável, apascenta e acalma espírito questionador ou conturbado pela dúvida, ira, tristeza, revolta, talvez por se sentir prejudicado. Pena vovó não estar aqui. Adoraria vê-la explicar do seu ponto de vista o destino das personagens e a própria novela.
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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