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Nunca entendi bulhufas de basquete, mas sou capaz de aplaudir o jogador do meu time francano quando a bola lançada entra na caçapa

30/10/2015 | Tempo de leitura: 3 min

Nunca entendi bulhufas de basquete, mas sou capaz de aplaudir o jogador do meu time francano quando a bola lançada entra na caçapa, digo cesta. Gosto de ver a agilidade dos atletas; xingo o juiz junto com a plateia toda vez que ele pune um jogador. Do meu time, bem entendido. Nunca fiquei em frente à televisão para acompanhar um jogo, nem nos finais de campeonato. Apenas ia às quadras de basquete quando era correspondente de jornal de São Paulo, e o editor me pedia os resultados de algum jogo mais importante. Isso faz tempo, muito tempo. 
 
Tanta indiferença com relação a esportes se deve ao fato de que nunca me interessei por qualquer deles; não sou aficionada a nenhum; nos tempos de juventude jamais namorei um atleta; enquanto estudante ninguém me escolhia para compor time fosse de handebol ou matança. O título no campeonato de vôlei que a escola onde me formei professora conquistou e a linda taça que exibe meu nome entre os heroicos atletas, foram ambos mero acaso: meu time ganhou por ‘WO’. 
 
Sabe o que é isso? Olha o significado, nada honroso: ‘WO, ou Walkover (em inglês) é a atribuição de uma vitória a uma equipe ou competidor quando a equipe adversária está impossibilitada de competir.’
 
Convite de familiares certa noite, me fez sair da letargia e acompanhá-los à quadra do Poliesportivo ‘Pedrocão’, para assistir ao jogo final de importante campeonato. Fui emburrada, sem achar a menor graça. Antes do espetáculo encontrei com amigas e conhecidos que estranharam minha inusitada presença. 
 
Sentei-me e observei os presentes. À frente, uma massa de gente. Do meu lado direito, outra massa de gente. À esquerda, mais outra. E, acima das cadeiras onde me encontrava, mais gente. Em suma: o estádio estava absolutamente tomado por francanos barulhentos que aguardavam o início do que me prometeram ser magnífico espetáculo. 
 
O jogo começou sob ensurdecedor aplauso da torcida organizada, uniformizada, que se encontrava exatamente do meu lado direito. Estranhei um bocado o comportamento de muitos dos torcedores mais próximos. Sisudos profissionais; sérios cidadãos das mais circunspectas áreas de atividade da cidade, saíam de seus lugares e desciam até a quadra para brigar com juízes, quando discordavam de alguma punição; ou com os jogadores do time adversário por causa de um ou outro golpe, que consideravam fora de padrão. Mas o pior mesmo, o que me deixou de boca aberta, pasma, foi a agressividade com que o imenso público recebeu um jogador, por sinal excelente, da equipe adversária. Foi o rapaz pisar na quadra, ouviu-se vaia e coro uníssono gritando seu nome, que era acompanhado de adjetivos deselegantes envolvendo pessoas distantes dali, como a mãe do jogador. A bem da verdade, o tal rapaz também não ajudava. Fazia gestos, E dali onde eu estava, dava para entender sua linguagem labial que devolvia aos torcedores alguns dos adjetivos com que fora premiado.
 
Faz tempo. Muita água passou sob a ponte do córrego dos Bagres, crises sobrevieram, jogadores deixaram as quadras, outros as abandonaram ou desistiram. Mas o sonho do basquete francano é teimoso, teima em permanecer. Surgiram novas lideranças para revitalizar o antigo sonho. Elas brigam, procuram, escolhem, sonham. Vão atrás. E o basquete, tradição francana, vai em frente, busca reforços e traz, para compor o novo time, aquele mesmo rapaz que um dia a torcida escorraçou. 
 
Talvez esteja presente na estreia do novo componente do time da cidade que chega justamente para reforçá-lo. Gostaria de reforçar o aplauso com que ele certamente será recebido. Tivesse oportunidade, gostaria de lhe dizer que ninguém joga pedra em laranja ruim; que o temíamos porque ele nos ameaçava com sua agilidade e perícia. E que — quem diria! — ele é bem-vindo. 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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