Discursos de pais modernos deixam claro que eles abominam qualquer interferência de adultos na vida e comportamento das crianças, em nome da liberdade, da autonomia, do livre-arbítrio de cada um. Segundo essa educação visão moderna toda criança deve, desde cedo, agir de conformidade com sua personalidade e aprender, desta forma, discernir o bem do mal, o certo do errado. Ah como eu queria ter nascido agora! Imagino o quanto seria fascinante agir de acordo com minhas vontades desde a mais tenra idade! Poder exigir e ver minha vontade satisfeita, através da complacência doméstica: ‘ela quer’; ‘ela não quer’. Mesmo que tivesse cinco anos e capacidade zero de limpar a bunda sozinha. Não sei como hoje os professores toleram alunos — do infantil à universidade — que não os cumprimentam nem na entrada, muito menos na saída das aulas; saem e entram e saem das salas quando bem entendem; quando dentro delas navegam e falam no celular como se estivessem no alpendre de suas casas; usam bonés e roupas inadequadas para a atividade escolar. Uma certeza: são alunos de pais que fazem aquele discurso bonito de ser e deixar serem livres os seres humanos.

 

Fácil diagnosticar quem são os pais donos de tais modernas psicologias. São os que param em fila dupla na frente de escolas; ocupam vagas destinadas a pessoas com necessidades especiais; furam filas; nas ruas não hesitam em interromper o trânsito para bater um papinho. Consideram-se superiores porque têm o celular fora de série ou o carrão da moda. Se o caixa do estabelecimento onde recém compraram algum produto erra e devolve troco a mais, pegam, embolsam, contam rindo aos companheiros.

 

Cena presenciada no supermercado. Mulher escolhia vasos de plantas e, à medida que elegia alguma, separava-a e a colocava no carrinho de compras. Casal de meia idade, entusiasmado com vaso de samambaia que a mulher separara, num momento seu de distração, não hesitou em tirá-lo do carrinho dela e sumir pelos corredores para não serem pegos, como fazem os bandidos do banco com o produto do roubo.

 

O presidente da Câmara Federal declara à nação sua inocência, no mesmo momento em que o noticiário mostra provas irrefutáveis de seu comprometimento com falcatruas e desvio de dinheiro público. A presidente, legitimamente eleita, pensa em estocar vento, saúda a mandioca e pergunta num congresso da CUT, quem no Brasil tem força moral suficiente, biografia limpa e reputação ilibada para atacar a sua honra, quem? Presença ilustre na platéia entusiasmada, é aplaudida por José Genoino. A coerência do discurso, não seu teor, foi assegurada porque ela lia o texto, não falava de improviso, bem entendido. Um ex-presidente do país, em quem foram depositadas, por duas vezes, nada menos que Confiança e Esperança, meteu-se em negócios escusos, permitiu rombos no erário público feitos por acólitos, usou do cargo para benefícios pessoais, enriqueceu parentes, sumiu com a Rose, não viu nada, não sabe de nada. Maluf dá palpites na vida pública e é aplaudido em muitos dos lugares que frequenta. Sarney vai ao chá da Academia Brasileira de Letras, posa com Lula e Collor, que sorriem. O presidente do Senado, instituição que já mereceu crédito e respeito, está coberto de denúncias de corrupção. Grande e significativa parte do poder Legislativo, composto por homens e mulheres que fazem leis para os brasileiros comuns, responde por processos administrativos e se safam porque se autodefiniram especiais e estão, portanto, acima das leis dos mortais. E o STF? Que vergonha!

 

Pagamos impostos escorchantes, vergonhosamente espoliados pelo governo. Damos 41% do nosso salário, que representam 151 dias do nosso trabalho ao governo e ocupamos o 79º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano. Orgulho de ser brasileira? Como?

 

 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão

jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br