O anjo e o guerreiro

Davi é um dos nomes mais fortes e emblemáticos de que se tem notícia. Surgiu há milênios, atribuído a um modesto pastor de ovelhas

01/02/2015 | Tempo de leitura: 5 min

“Esperança é a paciência com a lâmpada acesa”
 
Tertuliano, filósofo romano
 
 
Davi é um dos nomes mais fortes e emblemáticos de que se tem notícia. Surgiu há milênios, atribuído a um modesto pastor de ovelhas que se tornaria o terceiro - e mais importante - rei de Israel. Na Bíblia, seu nome é mencionado exatas 1.139 vezes, um recorde. Nada foi fácil para Davi. De origem humilde, era o caçula de oito irmãos. Entre um pastoreio e outro, tocava harpa na corte do rei Saul. Foi ali que acabou confrontado com o desafio que mudaria sua vida. 
 
Naqueles tempos, por volta de mil anos antes de Cristo, os judeus tinham nos filisteus seus grandes inimigos. E os filisteus, segundo as sagradas escrituras, tinham no gigante Golias, um homenzarrão que muitos acreditam ter medido 2,92 metros, seu maior trunfo. A tática funcionava. Ninguém aceitava enfrentar o monstro. Pelo menos, até aquele instante. 
 
Davi, então um jovem ruivo, franzino e de cabelos cacheados, envergonhado com a covardia dos soldados judeus que fugiam do confronto com o gigante inimigo, aceitou o desafio e foi para o “mano a mano” com Golias. Ao topar com o frágil adversário, Golias começou a gargalhar. Foi seu último erro. Munido de uma funda, um pedaço de corda com uma pedra amarrada na extremidade, Davi golpeou Golias, acertou a sua testa, desmoronou o gigante - e, de resto, seus aliados, que fugiram amedrontados. Como recompensa por sua bravura, o rei Saul ofereceu uma de suas filhas para se casar com Davi. Depois da morte de Saul e de seu filho, Isboset, Davi unificaria as doze tribos de Israel e reinaria por 40 anos. Coincidência ou não, “Davi”, em hebraico, significa literalmente “amado”, “querido”.
 
Miguel é nome de anjo. Mais precisamente, do príncipe dos anjos, aquele que, segundo o Livro do Apocalipse, vai comandar os exércitos do Céu contra as forças de Satã quando o fim dos tempos chegar, triunfando sobre o mal no Armageddon. Por isso mesmo, é arcanjo, um “anjo superior”. Nos primórdios do cristianismo, nos séculos IV e V, Miguel também era considerado um anjo de cura. Naquela época, não era raro encontrar templos dedicados a São Miguel e seu poder curativo.
 
Há em Franca um Davi Miguel. Nasceu em 12 de março de 2014, depois de uma gestação tranquila. Os primeiros cinco dias de vida foram os únicos que passou em casa. Desde então, segue internado. A maior parte do tempo, no Hospital Regional de Franca. A exceção foram os 43 dias no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, para onde foi encaminhado em busca de um diagnóstico quando ninguém mais conseguia entender porque o bebezinho que nasceu tão saudável perdia peso sistematicamente e tinha uma diarreia que não cessava.
 
A explicação veio com nome complicado. Davi Miguel nasceu com a raríssima Doença da Inclusão das Microvilosidades, ou Síndrome da Diarreia Intratável. É tão rara que o primeiro caso foi documentado apenas em 1978. Pouco se sabe sobre a doença, uma falha genética que faz com que o intestino simplesmente não absorva os nutrientes dos alimentos, sejam sólidos, líquidos ou pastosos, quer processados ou crus, tenham a origem que tiver. Crianças que nascem com a doença precisam ser submetidas emergencialmente a alimentação parenteral, aquela introduzida através de um cateter. 
 
A única alternativa de tratamento, com todos os riscos que traz embutida, é um complicadíssimo transplante de intestino. Poucos hospitais no mundo fazem a cirurgia. No Brasil, é até possível, mas o tratamento ainda é embrionário e experimental. Um dos lugares onde a cirurgia pode ser realizada com maior taxa de sucesso é no Jackson Memorial, hospital de referência em Miami, nos Estados Unidos. É exatamente para lá que Davi Miguel precisa ir.
 
Para “ir”, não basta vontade. É preciso ter R$ 2 milhões disponíveis para custear o tratamento. É preciso também que a criança esteja em boas condições, com peso mínimo entre sete e dez quilos. Superadas estas dificuldades, Davi Miguel e sua família ainda terão que esperar já nos Estados Unidos até que seja encontrado um doador compatível. Em outras palavras, até que uma criança de idade semelhante morra e sua família concorde em doar seu intestino. Os passos seguintes envolvem a cirurgia propriamente dita e a recuperação que se seguirá a ela, onde muitos remédios terão que ser administrados para combater a rejeição. O caminho à espera de Davi Miguel é assim: longo, íngreme, sinuoso. Mas é o único que ele pode trilhar.
 
Depois de usar dez diferentes catéteres, superar nove infecções e emocionar uma cidade inteira com sua garra, Davi Miguel já mostrou que é mais do que digno de ter uma chance. A população de Franca e tantos outros milhares país afora exigem que esta chance seja garantida a ele pelo governo brasileiro, o mais rapidamente possível. Se é peso que ele precisa ganhar antes de viajar ao Exterior, que as autoridade viabilizem o tratamento necessário para este objetivo, onde houver, aqui no Brasil. O que não se admite mais são desculpas para a falta de ação ou disputas judiciais contraprudecentes. 
 
Não sei qual foi a motivação de Jesimar e Dinea Gama, os pais deste bravo guerreiro, na escolha de seu nome, mas duvido que pudessem ter encontrado opção mais adequada. A força e a coragem do Davi que reinou sobre Israel e o poder curativo do arcanjo Miguel são inspirações importantes. Estamos todos juntos, unidos, torcendo para que Davi Miguel supere um a um os obstáculos em seu caminho. Que o bom senso prevaleça no governo e na justiça, ao menos desta vez. Há uma criança de dez meses que depende disso para viver. 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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