Exposição mostra 100 imagens de Lampião


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As histórias do cangaço e dos cangaceiros povoam a memória dos brasileiros. Narrados em lendas, canções populares e cordéis, seus feitos passaram a fazer parte de nossa cultura. O fenômeno, que remonta ao século 18, se tornou mais conhecido e comentado no momento em que os meios de comunicação passaram a divulgar os feitos de Lampião, Maria Bonita, Corisco e tantos outros. Mais do que todos, Virgulino Ferreira, o Lampião (1898-1938), fez uso desses meios, em especial da fotografia, para popularizar o movimento do qual foi o maior ícone, levando-o para as páginas dos jornais, onde acabava também apresentando os seus seguidores. 
 
Na maioria das vezes, as imagens que se têm de Lampião, Maria Bontia e outros cangaceiros tornados famosos, foram realizadas por anônimos, que se encontravam com o bando no meio do sertão, ou por fotógrafos como Pedro Maia e Lauro Cabral de Oliveira, que registraram uma viagem de Lampião a Juazeiro do Norte, em 1927. Mas quem se consagraria como o ‘fotógrafo oficial’ de Lampião seria o mascate libanês Benjamin Abrahão (1890-1938), que acompanhou a saga do rei do cangaço, fotografando e filmando seus feitos. 
 
Parte desse acervo, já reunido no livro Iconografia do Cangaço (Editora Terceiro Nome/2012), pertence ao pesquisador Ricardo Albuquerque, diretor do Instituto Cultural Chico Albuquerque, em Fortaleza.
 
Agora, Ricardo Albuquerque selecionou 100 entre as melhores imagens, feitas por vários profissionais, para lançar a Coleção Cangaceiros, um registro sistematizado sobre o movimento no Brasil, que não deixou de fora as volantes, grupos de policiais disfarçados contratados pelo governo para perseguir os cangaceiros. 
 
Com texto de apresentação de Rubens Fernandes Jr., no total, foram criadas 40 caixas destinadas a um público colecionador: ‘Muitas das imagens não têm grande qualidade técnica, mas possuem um incrível valor histórico. É um álbum fotográfico. São imagens soltas, sem texto ou legenda’, comenta ainda Albuquerque.
 
A coleção foi lançada na quinta-feira, 22 de janeiro, na Mira Galeria de Arte, em São Paulo. Além das imagens, acompanha a caixa um audiovisual de 14 minutos, Lampião, filmado pelo próprio Benjamin Abrahão, que foi exibido no dia do lançamento.
 
A relação de Ricardo Albuquerque com o acervo não é gratuita, visto que ele pertence a uma família que, desde sempre, esteve ligada à fotografia e ao cinema. Seu pai, Chico Albuquerque, foi um dos pioneiros da foto publicitária no Brasil, e seu avô, Adhemar Albuquerque, foi quem ensinou o mascate libanês Benjamin Abrahão a fotografar, na década de 1930: ‘Meu avô gostava muito de fotografar e fazer documentários’, explica Ricardo. ‘Em 1934, ele foi filmar o funeral do Padre Cícero e ali conheceu Benjamin Abrahão, que, na época, era o secretário do sacerdote (fato mostrado com ênfase no filme de Baile Perfumado, de Lírio Ferreira) que se tornou mito sob o nome Padim Ciço e ainda hoje é reverenciado com estátua gigante e romarias em Juazeiro. 
 
Abrahão já conhecia Lampião desde 1926, quando Virgulino foi até Juazeiro do Norte pedir proteção para ele e seu bando. Após a morte do padre, o libanês solicitou permissão ao rei do cangaço para acompanhar suas andanças e registrar seus feitos. Foi aí que ele procurou Adhemar Albuquerque, que, além de lhe ensinar a utilizar a câmera fotográfica e a filmadora, ainda lhe emprestou o equipamento. 
 
A maior parte das imagens é de fotografias posadas, retratos e, muitas vezes, até encenações de batalhas. Um material historicamente importante, um inventário que desvenda o cotidiano desse movimento tão perseguido pelo governo de Getúlio Vargas. A maioria dos registros foi feita entre 1936 e 1937, captando os últimos dois anos do bando. Há inclusive cenas do dia a dia que nos apresentam os costumes da região, como viviam as mulheres do bando, a qualidade da alimentação, os tipos de dança, os esconderijos, até a clássica imagem das cabeças cortadas dos sete líderes do cangaço, após a dissolução do movimento pelas forças governamentais. 
 
Um registro histórico que foi sendo enriquecido com o tempo e acabou por tornar visível e perpétuo o que a clandestinidade deveria esconder.
 
 
QUEM ERA LAMPIÃO
 
Virgulino Ferreira da Silva nasceu em 1898, no semiárido de Pernambuco. O apelido Lampião derivou de uma adaptação que fez de um fuzil, para que o cano brilhasse enquanto atirava. Sua família travava disputa mortal com outras famílias até que seu pai foi morto em confronto com a polícia em 1919. Virgulino, então com 21 anos, jurou vingança. Reuniu dois irmãos e alguns amigos e formou um bando de cangaceiros, semelhante a outros que já cruzavam o sertão. Durante as duas décadas seguintes, viajou por sete estados, levando o terror aonde chegava. Os cangaceiros, cerca de 50, se deslocavam a cavalo e usavam trajes de couro para protegê-los dos arbustos com espinhos típicos da caatinga. A maioria das armas que usavam era roubada da polícia: espingardas, pistolas, revólveres e rifles. O grupo de Lampião foi acusado de roubos, torturas, sequestros, estupros e assassinatos. Por outro lado, foram muitos os que mantiveram a imagem de um Robin Hood do sertão, que roubava de fazendeiros, políticos e coronéis para dar aos pobres miseráveis. Maria Bonita, companheira de Lampião, era das poucas que compunham o bando.Teve uma filha, Expedita, nascida em 1932. A vida de ambos e a de seus companheiros, terminou em julho de 1938, na fazenda Angicos, em Sergipe, onde todos haviam acapado. Amanhecia quando a polícia atacou de surpresa. Lampião e Maria Bonita foram os primeiros a morrer. “ O caminho que Lampião traçou nas sendas da Bahia,Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, hoje claramente observado nos mapas e na memória viva da história do cangaço, praticamente não foi alterado nos últimos 60 anos. E pouco, talvez nada, será alterado durante os próximos 60 anos ou mais.Onde lutou Lampião ainda estão, nos dias d ehoje, as sobras da subserviência, a presença maciça da ignorância, a exploração dos pequenos e humildes.” São palavras da historaidora Vera Ferreira, que mantém um site para cuidar da memória do avô. Ela é filha de Expedita. (SM) 
 
 
FILME
 
Título: Mostra de Fotografias Coleção Cangaceiros
Coordenação: Ricardo Albuquerque
Onde: Mira Galeria de Arte. Rua Joaquim Antunes, 187, 2528- 0409
De segunda a sexta, das 10 às 19 horas
Sábados: das 12 às 17 horas
Até 13 de fevereiro
 
 
Simonetta Persichetti,  jornalista

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