Excelência para quem?

Talvez tenha decorrido algo próximo a quinze anos. Ainda exercia função em equipe de alto escalão acadêmico numa instituição de ensino superior

27/07/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Nós somos o que fazemos repetidamente. A excelência, portanto, não é um ato, mas um hábito.”.

Aristóteles,  filósofo grego
 
 
Talvez tenha decorrido algo próximo a quinze anos. Ainda exercia função em equipe de alto escalão acadêmico numa instituição de ensino superior, de financiamento privado. Preocupado com a qualidade de ensino, com aquilo a que o MEC, dois ou três anos mais tarde, chamaria de mínimo de excelência e imprimiria, em seus protocolos de avaliação institucional, índices de obtenção de resultados numa sala de aula universitária, passei a olhar com mais cuidado o fazer cotidiano acadêmico, em seu tripé ensino-pesquisa-extensão. 
 
Entre tantas questões a serem examinadas, chamava-me a atenção um caso isolado. No primeiro ano do curso de Letras, com habilitações de licenciatura em português e inglês, o professor encontrava invariavelmente, diante de si, nos primeiros dias de aula do ano letivo, uma turma extremamente heterogênea. 
 
No melhor estilo da Curva de Gauss, tínhamos, na turma de inglês, algo muito próximo à seguinte situação (os números estão “arredondados”, mas próximos à realidade): 25% de alunos que nunca haviam estudado a língua estrangeira de forma sistemática; 25% de alunos que haviam estudado a língua inglesa em cursos livres por vários anos; 50% de alunos que tinham apenas uma noção elementar dessa língua.
 
Restava a questão: a quem iria se dirigir o professor de inglês? Se optasse por aulas mais adiantadas, 75% da classe não o acompanhariam; se nivelasse a aula por baixo, outros 75% diferentes reclamariam; se trabalhasse em nível intermediário, 50% da classe estariam desconfortáveis. Ou seja, numa primeira análise não havia solução. Excluindo o alvitre de uma série propedêutica ou de insistir num nível intermediário por várias razões, dentre as quais citaria fortemente a formação de professores despreparados para o magistério, coube a mim a responsabilidade de estudo e resolução do problema.
 
Optei pelo exame de aptidão no vestibular, talvez um primeiro caminho para a inclusão de excelência de ensino/aprendizagem, ao menos teórica e historicamente. Não havia sido assim, por exemplo, nos antigos exames de admissão ao curso ginasial? Não eram assim os exames vestibulares orais diante de bancas de docentes altamente titulados, como na extinta Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Franca? O leitor que viveu essa época há de estar lembrado da excelência de ensino nos cursos ginasiais e nessa faculdade citada, em finais da década de 1960 e início de 70.
 
O exame de aptidão foi aplicado. A classe de inglês tornou-se mais homogênea. Solicitei professores titulados. Procedemos à capacitação dos professores. Solicitei mais: um laboratório de línguas. Reestruturamos o conteúdo programático. Revisamos os títulos de livros-base e outros de referência. Ampliamos a estante de inglês na biblioteca. Imprimimos cursos de extensão e de especialização. Trinta e dois alunos formavam a classe. Começaram as aulas. Passou março, passou abril, passou um semestre letivo inteiro. No agosto subsequente, meu superior acadêmico imediato convidou-me para visitar a classe de inglês: sobraram - pasme o leitor - apenas quatro alunos. Os outros não suportaram ou não conseguiram acompanhar a excelência de ensino que havíamos implantado.
 
Visitei outras instituições do Estado de São Paulo, todas particulares. Algo muito parecido havia sido experimentado, com resultados semelhantes. Visitei universidades públicas: outra realidade. Surgiram os exames nacionais, os tais provões. A particular, com excelente infraestrutura física, professores titulados, biblioteca atualíssima, obtinham E no provão. Enquanto a pública local, com ausência de docentes, infraestrutura física decadente, lacunas de aulas, obtiveram A no provão. O que se comprovava, na contramão da mídia nacional: o que levava uma instituição de ensino superior a conseguir notáveis conceitos no provão não era a política interna de ensino, mas a qualidade e desempenho individual discente. O aluno faz a faculdade, não o contrário... Ao menos nesse cenário. Passaram-se anos, e ninguém conseguiu provar-me o contrário.
 
Gradualmente foi-se cristalizando o conceito segundo o qual alunos de certas regiões geográficas brasileiras (cito o Nordeste paulista como exemplo, por conhecimento de causa), não buscam, de modo amplo, a excelência, mas o diploma, se possível em tempo mínimo, se possível com mensalidades baixas, se possível com avaliações “fáceis”, se possível com aulas online. Regra geral? Provavelmente não, mas é fato entre a maioria. Daí, talvez, o sucesso dos cursos tecnológicos, com rápida inserção no mercado de trabalho. Daí, talvez, o Brasil ocupar o penúltimo lugar no ranking mundial da educação.
 
A opção pela quantidade de alunos em detrimento da excelência de ensino tem se tornado tendência: nas particulares, por razões financeiras, nas públicas por questões de interesse político do governo.
 
Reforma no ensino básico bastaria? Em parte, mas a quem interessa?
 
Everton de Paula, acadêmico e editor 
email - evertondepaula33@yahoo.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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