
A adoção de cotas para pessoas trans, travestis e não-binárias pela Unicamp escancarou, mais uma vez, a divisão ideológica que marca o cenário político nacional e reverbera em Campinas. A decisão histórica da universidade foi comemorada por parlamentares de esquerda e integrantes do movimento estudantil, mas recebeu duras críticas de representantes da direita — com destaque para o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que publicou um vídeo inflamado classificando a medida como “privilégio” e “militância identitária disfarçada de inclusão”.
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A repercussão foi imediata. Nas redes sociais do parlamentar mineiro, dois vereadores bolsonaristas de Campinas reforçaram o coro de reprovação: Marcelo Silva (PP) e Vini Oliveira (Cidadania), este último cada vez mais alinhado ao bolsonarismo, apesar de estar em um partido que se declara de centro. Ambos comentaram a publicação com críticas à medida e à própria Unicamp, o que não surpreende para quem já acompanha a recente trajetória de Vini, marcada por confrontos diretos com a universidade e sua comunidade acadêmica. Outro parlamentar da direita a ataca a decisão da Unicamp foi Nelson Hossri (PSD). O bolsonarista postou um vídeo também nas redes sociais para criticar a medida.
O episódio escancara a estratégia para captura de engajamento em temas identitários, algo que tanto Nikolas quanto seus aliados locais têm explorado com intensidade. O vídeo do deputado alcançou milhares de visualizações, exatamente o tipo de polarização que alimenta suas bases e impulsiona o algoritmo das redes sociais. E a adesão de figuras como Vini e Marcelo revela o efeito multiplicador do bolsonarismo nos parlamentos municipais.
Do outro lado, a bancada de esquerda da Câmara de Campinas respondeu com postagens de apoio e celebração. Paolla Miguel (PT) e Mariana Conti (PSOL), ambas com trânsito forte no meio estudantil e militante, reforçaram a importância da medida como uma política de reparação e inclusão.
O contraste é evidente. Enquanto parte da direita defende a meritocracia e faz a crítica a supostos "privilégios", a esquerda vê na política afirmativa um instrumento, mais do que a reparação, para engajar ainda adeptos e fomentar espaços. A universidade, por sua vez, respondeu que segue diretrizes do STF e que haverá mecanismos de controle e avaliação da política, afastando a ideia de "autodeclaração sem critério" propagada pelos críticos.
Mais do que um debate sobre uma medida específica, o episódio evidencia como a guerra cultural segue sendo uma moeda forte no jogo político. A Unicamp virou trincheira — para uns, de resistência e inclusão; para outros, de exagero identitário. E a política local será palco dessa batalha simbólica com olhos em 2026, quando muitos desses nomes planejam saltos maiores. A cota trans é só o estopim mais recente.
Pedágios na Luiz de Queiróz
A disputa em torno dos pórticos de pedágio por free flow na Rodovia Luiz de Queiroz (SP-304) ganha um novo capítulo com a realização de uma audiência pública em Americana, marcada para a próxima quarta-feira (9), às 19h, na Câmara Municipal. A proposta é debater os impactos do modelo que o governo estadual pretende implementar até 2027, com pontos de cobrança nos quilômetros 122, 144 e 154, afetando diretamente moradores e motoristas de Americana, Santa Bárbara d’Oeste e Piracicaba.
A audiência, organizada pela deputada estadual Professora Bebel (PT), surge como mais uma ação da crescente mobilização popular e política contra o modelo proposto. O evento estava previsto inicialmente para 2 de abril, mas foi remarcado devido à indefinição do local. A ausência, até o momento, de representantes do governo estadual na audiência é um sinal preocupante e pode aumentar a percepção de que o Executivo não está disposto a dialogar com as regiões afetadas.
A implantação do sistema free flow — que cobra por trecho percorrido sem praças de pedágio — vem sendo questionada por diferentes setores da sociedade civil, prefeitos e vereadores. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já indicou a possibilidade de revisar o projeto na SP-304, mas ainda não houve uma decisão definitiva. Ao mesmo tempo em que o Executivo promete investimentos em infraestrutura, a sensação generalizada é de que os benefícios não justificam os impactos, especialmente em regiões onde o tráfego urbano e rodoviário se confundem.
A iniciativa da deputada Bebel reforça a estratégia da oposição de transformar o tema dos pedágios em bandeira regional e eleitoral. A SP-304 se tornou um símbolo da disputa entre desenvolvimento com cobrança ou infraestrutura pública de qualidade sem tarifas, e a audiência pode servir de termômetro para medir a força da resistência à proposta. Além disso, fortalece a narrativa de que a população não foi ouvida adequadamente nos moldes da concessão.
Seja qual for o desfecho da audiência, o debate deixa claro que o governo estadual terá de lidar com um desgaste que só cresce. O free flow, vendido como modernidade e eficiência, enfrenta a realidade de um interior paulista que já paga caro por mobilidade e agora cobra respeito e participação.
Homenagens
A Câmara Municipal de Campinas realizou na quinta-feira uma sessão solene para homenagear duas personalidades da área de segurança pública. Por iniciativa do vereador Paulo Haddad (PSD), foram entregues o Título de Cidadão Campineiro ao delegado Luiz Henrique Apocalypse Joia e a Medalha Exemplo Digno “General Nelson Santini Júnior” ao ex-sargento da Polícia Militar Orlei Rodrigues Ceseti Junior.
Natural de Ouro Fino (MG), Luiz Henrique Joia ingressou na carreira de delegado de polícia do Estado de São Paulo em 1989. Atuou como delegado titular e diretor da Ciretran em diversos municípios do interior paulista, incluindo Santo Antônio de Posse, Mogi Guaçu, Valinhos e Bragança Paulista. Também comandou delegacias especializadas, como a de Investigações sobre Entorpecentes. Desde 2023, exerce a função de delegado divisionário da Divisão da Administração do Deinter 2, com sede em Campinas.
Já Orlei Ceseti Junior iniciou sua trajetória na Polícia Militar em 1991. Em 2004, passou a integrar o Canil do Batalhão, tornando-se especialista em adestramento e cinotecnia. Participou de diversas operações de destaque, incluindo apreensões de drogas e localização de pessoas com o apoio de cães policiais. Após se aposentar como sargento em 2020, continuou atuando na área como adestrador.
A Medalha Exemplo Digno, que leva o nome do general Nelson Santini Júnior, é concedida a cidadãos que se destacam por atos de bravura ou dedicação à coletividade. Já o Título de Cidadão Campineiro é uma das principais homenagens concedidas pelo Legislativo a pessoas que, mesmo não nascidas em Campinas, prestaram relevantes serviços à cidade.
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.