Na política, os grandes feitos muitas vezes são eclipsados pelos pequenos gestos. É um paradoxo cruel: anos de dedicação e realizações podem ser esquecidos por uma única atitude que, embora aparentemente banal, carrega um peso simbólico desproporcional. A história de Janaína Lima, ex-vereadora de São Paulo, hoje em todos os sites e jornais do país não por um projeto de lei, mas por uma decisão pessoal é um exemplo perfeito desse fenômeno.
Clique aqui para fazer parte da comunidade de OVALE no WhatsApp e receber notícias em primeira mão. E clique aqui para participar também do canal de OVALE no WhatsApp
Após não ser reeleita, Janaína decidiu levar consigo uma privada e duas pias de seu gabinete, justificando que os itens haviam sido adquiridos com recursos próprios. O gesto, embora legalmente defensável, transformou-se em metáfora de um legado que escapou pelo ralo.
A trajetória de Janaína era, até então, inspiradora. Nascida em uma das regiões mais periféricas de São Paulo, alfabetizou-se sozinha aos cinco anos, conquistou bolsas de estudo e formou-se em Direito. Seu trabalho sempre esteve ligado a causas de impacto social: liderou projetos de alfabetização, combateu a violência contra mulheres e dedicou-se a políticas públicas para a primeira infância. Na Câmara Municipal, destacou-se pela austeridade fiscal, pelo fomento ao empreendedorismo e pela busca incessante por desburocratização. Era, para muitos, uma líder comprometida com a eficiência e a inovação.
Mas a política não se faz apenas de projetos bem-sucedidos. Ela vive na esfera dos símbolos, na capacidade de compreender que cada ato – por menor que seja – comunica algo muito maior. Ao final de seu mandato, Janaína escolheu carregar consigo o que havia trazido para o gabinete, incluindo o vaso sanitário. Esse gesto, aparentemente simples, tornou-se um ato carregado de significado. Não era apenas um objeto físico sendo retirado; era a imagem de uma figura pública esvaziando, literal e simbolicamente, o espaço que deveria representar o serviço à sociedade.
Na política, o imaginário coletivo é tão relevante quanto a realidade prática. E, no caso de Janaína, a narrativa construída ao longo dos anos foi instantaneamente ofuscada. Sua justificativa – de que os itens eram de sua propriedade – pode ser válida do ponto de vista técnico, mas revela um erro estratégico profundo. No palco da política, o que importa não é apenas a verdade jurídica, mas também a percepção pública. E essa, inevitavelmente, foi marcada pela ironia de uma despedida que ficou mais associada a uma privada do que a um legado de transformação.
Esse episódio nos força a refletir sobre o papel da narrativa no poder. A política é, antes de tudo, um espetáculo moral. Os eleitores não acompanham apenas números, leis e discursos; eles observam como os líderes agem nos momentos de maior vulnerabilidade. Janaína teve a oportunidade de encerrar sua passagem pela Câmara com dignidade e grandeza, mas permitiu que sua saída fosse reduzida a uma imagem cômica e, para muitos, desrespeitosa.
O mais trágico nessa história é que Janaína Lima tinha todas as ferramentas para ser lembrada como uma líder diferenciada. Sua dedicação à primeira infância, seu compromisso com a desburocratização e sua defesa do empreendedorismo são ações que poderiam ter consolidado um legado duradouro. Mas, no final, a política é implacável com os descuidos simbólicos. Em vez de ser celebrada, sua história ficará marcada pela ironia de uma privada retirada do gabinete – um gesto que, mesmo pequeno, carregava consigo o peso de uma desconexão com a dimensão pública de seu papel.
A privada de Janaína Lima não é uma anedota cômica; é uma lição profunda sobre como o poder não perdoa os pequenos deslizes. A política exige mais do que competência técnica ou boas intenções. Ela demanda uma compreensão constante de que, no imaginário coletivo, até os menores atos podem ser a última lembrança deixada. E, no caso de Janaína, essa lembrança, tristemente, foi um legado perdido pela descarga – e um vaso sanitário levado embora.
*Fabrício Correia, jornalista e escritor