Depois do sábado, não vem, como se pensa, apenas o domingo. Também, depois do domingo, não vem apenas a segunda. O que vem é o surpreendente caminhão da vida despejando todos os seus cotidianos: diarreia, salada de tomate, dengue, golpe na internet, gasolina mais cara, viagem cancelada... E quem era pra vir, avisou que não vem mais.
Besteira também achar que depois do ano velho virá um outro novinho, zerinho, pronto para nos salvar. Não virá. Não virão também o esperado dinheirinho, a tão completa e sonhada paz, aquele amor sem defeito, nem o corpo perfeito, lindo de morrer. Dizem que a gente é tão besta que acaba fazendo cada besteira que não dá nem pra acreditar: vestindo cueca e calcinha amarelas, tomando banho de ervas, comendo pratão de lentilha, escrevendo natalina poesia, pulando sete ondas... Tudo isso pra quê? Pra acordar de ressaca, cair na real e, com uma boa dose de sorte, reencontrar-se com o eterno prato de arroz com feijão.
Eu não caio nessa. Não sou besta. O que estou querendo dizer é que não caio "só" nessa. Eu caio nessa e em todas as outras. Festou, tô dentro. Não me importa se é bobagem ou não. À meia-noite, vou cantar a plenos pulmões "feliz ano novo, muito dinheiro no bolso e saúde pra dar e vender!" Besta é quem brigou com a vida, azedou o saco e desistiu de ser feliz. Isso não é viver. Vou pendurar arruda na orelha, pôr nota de cem na carteira, colocar o bilhetinho do desejo no sapato do pé esquerdo, varrer a casa com vassoura nova pra limpar a má energia que, atrás da porta ou embaixo da cama, escondida possa estar. Sobre a cor da cueca, ainda tenho uma dúvida atroz. Um amigo me disse que, para simbolizar desapego e despojamento, eu deveria ficar sem cueca. Fiz um teste ontem e não gostei. Entrou um ventinho frio e estranho nas minhas regiões pudendas e me senti exageradamente despojado. Tá decidido, serei mais um de cueca amarela nesse réveillon.
Agora que tudo é uma grande besteira, isso não dá pra negar. E daí? Qual é o problema, cara! O que importa é que vou comer, vou beber, vou dançar, vou abraçar os amigos, a família inteira e, se duvidarem, até mesmo aquele vizinho chato que não gosta de mim. A vida só vale festando sem perguntar os porquês. A gente deveria festejar até mesmo topada no dedinho do pé. A propósito, fui ver na folhinha quantos dias ainda faltam para o carnaval!
Tá longe à beça!
O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e de ficção
escolha sua cidade
Bauru
escolha outra cidade