A volta do republicano Donald Trump à Casa Branca surpreendeu pelo seu desempenho incontestável nas urnas. Além de derrotar a democrata Kamala Harris, terá maioria no Senado e na Câmara. Contrariando todas as previsões, venceu até na votação popular, pelo voto dos negros, hispânicos, indianos, mulheres, árabes-americanos e até dos imigrados.
O eleitorado nem se importou com os dois impeachments de Trump e pelo fato de ter incitado uma multidão a invadir e depredar o Capitólio para mantê-lo no poder. Em nada influenciou o ânimo dos votantes o fato do candidato ter sido condenado criminalmente por subornar uma atriz pornô; e em outro processo civil, por importunação sexual. Ainda há outras 116 acusações contra ele na Justiça. Os norte-americanos, sempre pragmáticos, parecem mais preocupados com a inflação de 9% ao ano, com o custo da moradia, da saúde, falta de empregos e os imigrantes ilegais que dormem nas ruas das grandes cidades.
Melhor acreditar no discurso populista de quem promete pôr a casa em ordem e "Fazer a América grande outra vez". Bolas para as suas fake News, misoginia, xenofobia e ao tom mais grosseiro da sua retórica política. Democracia é assim. Dá direito ao eleitor não só de errar, como de persistir no erro.
Aqui no Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro exultou com a vitória de Trump, "um passo importantíssimo para sua volta", segundo a avaliação da família. "Quase tudo que acontece lá acontece aqui", observou o próprio ex-capitão. Tem sentido. Bolsonaro também foi condenado por abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Está inelegível até 2030 por também mentir sobre o processo eleitoral em reunião com embaixadores; e utilizar eleitoralmente o evento de comemoração do Bicentenário da Independência.
Nada disso importa e ele acabará anistiado pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. Se Trump voltou, se Lula voltou, por que o Jair não pode voltar nos braços do povo? O caso da venda ilegal das joias, e a falsificação dos certificados de vacina, balizaram o indiciamento de Bolsonaro pela Polícia Federal. Nada vai obstaculizar as suas pretensões de disputar 2026. A proposta de anistia será aprovada pelas duas Casas do Congresso e ainda terá a sanção de Lula.
"Quando a América espirra, o resto do mundo pega pneumonia" - costumava dizer Eugênio Gudin, o ministro da Fazenda (1954) que ousou descontar na fonte o Imposto de Renda sobre os salários. Trump já disse que voltará ao protecionismo dos interesses americanos. O conflito comercial com a China tenderá a se agravar com a imposição de tarifas mais altas. Em seu governo, Trump deportou milhares de imigrantes ilegais. Dentre eles, cerca de 2.800 brasileiros. A América Latina pode se preparar para receber milhares de patrícios de volta. Apesar de ter cumprimentado Trump pela vitória, Lula não foi nada diplomático ao declarar, antes da eleição, preferir a vitória de Kamala Harris.
A gente sabe da centralidade da economia americana para a economia global. Os EUA têm uma dívida pública superior a US$ 4 trilhões. Para o poder econômico não chega a ser uma catástrofe. Mas, pode virar combustível à inflação, com efeitos negativos na perspectiva de crescimento. Trump vai querer distribuir a conta para os parceiros ocidentais e asiáticos. "America First" pode significar aumento na taxa de juros, tarifas mais altas para quem quiser vender para os EUA, dólar mais forte pela atração financeira, aumento da exploração de petróleo e negacionismo climático. A China já em desaceleração terá mais dificuldade de retomar o ritmo. Atinge o Brasil, já que o país é o nosso maior parceiro.
O risco institucional para os americanos é o mais grave. "América fez uma escolha perigosa", alertou o New York Times. Se eles estão preocupados, imagine os do lado de baixo do equador.