O recente arrefecimento sobre a diferença entre receita arrecadada mensalmente e a despesa respectivamente realizada preocupa o planejamento da Secretaria de Finanças de Bauru, especialmente ante os passivos milionários - que somados se tornam bilionários - representados pela Companhia de Habitação Popular (Cohab) e a Fundação de Previdência dos Servidores (Funprev).
A prefeitura nunca teve tanto dinheiro em caixa, admite o secretário Everton Basílio (Finanças), mas ao mesmo tempo também nunca teve uma prospecção de piora no cenário orçamentário como agora - é hora de puxar o freio de mão, afirmam, e evitar a criação de despesas continuadas (como programas ou contratação de pessoal).
"Temos R$ 500 milhões em caixa hoje. Mas vários desses recursos são totalmente vinculados, como o fundo de tratamento de esgoto ou do Zoológico. Às vezes imagina-se que o montante está totalmente liberado, mas não é verdade", disse Basílio ao JC durante entrevista concedida conjuntamente com o ex-secretário da pasta Marcos Garcia.
Contribuíram para a escalada da arrecadação nos últimos anos dois aspectos principalmente: a inflação, já que o percentual de imposto indexado aos preços sobe à medida que os custos também aumentaram, e o levantamento da maior parte do valor relacionado à chamada dívida federalizada - o erro de cálculo sobre o financiamento do viaduto Nicola Avallone, o chamado "viaduto inacabado".
"Se você pegar o valor arrecadado nos meses deste ano e comparar com a despesa verá uma certa estabilização, um equilíbrio. Já não há mais o 'boom' de receita que registramos nos últimos anos", diz Garcia.
"Nós aplicamos este recurso [da dívida federalizada] e conseguimos gerar mais de R$ 20 milhões em rendimentos", acrescenta Basílio.
A queda na taxa Selic, porém, diminuiu a rentabilidade dos recursos aplicados sobre títulos públicos - única carteira em que o poder público pode investir. "Perdemos entre R$ 10 milhões a R$ 15 milhões por causa dessa questão da Selic", explica.
Há além disso o fator reforma tributária, cuja transição começa efetivamente a partir do ano que vem. "Nosso corpo de técnicos tributários já está estudando como lidar com esse início de transição", diz Marcos Garcia.
Internamente o trabalho na Finanças busca trabalhar a essência da fazenda pública: cuidar da arrecadação racionalizando o serviço de cobrança. "Não é uma caça às bruxas", ressalta Basílio.
A medida é especialmente importante neste momento porque, para evitar queda brusca na receita dos municípios, as cidades receberão a média da arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto Sobre Serviços (ISS) entre 2019 e 2026.
Daí o alerta: qualquer imposto não apurado, e portanto não arrecadado, faz com que a média dessa somatória caia.
"É importante ressaltar que, nesse aspecto, um ponto positivo é que a chamada quota-parte do ICMS não será mais calculada a partir do valor agregado sobre as indústrias da cidade. Agora, o parâmetro do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) vem de acordo com a população. Bauru sai ganhando com isso, mas esta [reforma] será uma transição de 50 anos", acrescenta Garcia.
De qualquer forma, o trabalho de organizar a Fazenda municipal não passa apenas por números. A prefeitura já começou a captar fotos aéreas da cidade para avaliar, por exemplo, se há terrenos ou áreas na zona urbana que ainda estejam pagando Imposto sobre a propriedade Territorial Rural (ITR).
"Tem também muita área que está cadastrada como terreno em nossos registros, mas já funciona como residência. Não é cobrar mais ou menos, é apenas cobrar o justo. Até para evitar problemas com renúncia de receita, entre outras coisas", pontua Basílio.
Passivos
Para muito além do trabalho fazendário da Finanças, os passivos Funprev e Cohab são fatores de risco às contas do município para os próximos anos.
A Cohab, por exemplo, tem uma dívida com a Caixa Econômica Federal que supera R$ 1 bilhão - existe um possível acordo que pode derrubar o débito para ainda muitos altos R$ 348 milhões.
A estratégia do presidente da Cohab, Everson Demarchi, envolve agora fazer um "pente-fino" nos contratos que supostamente deram origem às dívidas para avaliar quais estão prescritos, quais foram quitados e quais estão de fato corretos. "É um trabalho de formiguinha, mas tem dado certo", diz Basílio.
Os olhares, porém, estão voltados agora em sua maioria à Funprev, que teve as contas de dois exercícios, 2021 e 2023, rejeitados num intervalo de apenas um mês pelo Tribunal de Contas de São Paulo (TCE-SP), que falou inclusive em risco de falência do regime próprio de previdência social (RPPS).
"Com relação à previdência temos dois pontos. O déficit atuarial como está hoje pode fazer com que saiamos em 2027 de um aporte de R$ 50 milhões na Funprev para R$ 120 milhões. Do jeito que está indo, talvez precisemos injetar mais R$ 7 milhões por mês para evitar a política de desinvestimento da carteira", diz Basílio.
"Isso significa que alguém terá de pagar essa conta - e neste caso será o município. Porque a situação, se piorar, pode exigir cortes de despesas, o que inclui a descontinuação de políticas públicas, por exemplo", complementa.