A 3.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu que a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) não seguiu procedimentos legais ao demitir sumariamente uma advogada acusada de "caluniar" a reitoria e mandou a instituição reintegrar a profissional.
O acórdão, assinado pelo desembargador José Luiz Gavião de Almeida, na prática ratifica uma liminar concedida no ano passado no âmbito de um mandado de segurança impetrado pela advogada. Para o TJ, a instituição não poderia tê-la demitido de forma sumária sem antes abrir, por exemplo, um processo administrativo. A profissional foi defendida pelo escritório Michelão Martins e Souza, de Bauru.
Procurada pelo JC, a Unesp disse que "embora sustente e reafirme a legalidade do ato administrativo em questão, a Unesp acata e respeita todas as decisões do Judiciário". Afirma também que "as manifestações sobre o mérito estão sendo feitas no devido processo legal".
A profissional foi contratada pela Unesp em 2022 e integra o quadro efetivo de advogados da universidade. Mas passou a sofrer represálias, argumenta, desde que denunciou irregularidades da reitoria ao Ministério Público (MP).
Seus apontamentos resultaram numa ação civil pública que pede que o reitor da instituição, Pasqual Barretti, seja afastado por improbidade administrativa.
A denúncia diz que a instituição driblou uma recomendação do MP para contratar procuradores concursados e acusa a reitoria de praticar nepotismo - a contratação ou favorecimento de parentes no preenchimento de um cargo em detrimento de outros - e dano ao erário público com o pagamento de supersalários. A Unesp nega irregularidades.
A reitoria da Unesp chegou a convocar a profissional a prestar esclarecimentos pouco após ser notificada pelo MP da investigação. A advogada confirmou o encontro e dias depois estava demitida.
A exoneração ocorreu por justa causa em portaria que menciona "mau procedimento" da advogada e "ato lesivo à honra ou a boa fama do empregador e superiores hierárquicos".
Para o TJ, porém, a medida não tem amparo legal. "Não parece que o reitor tenha agido de forma clara, separando o público do privado, e agindo segundo o princípio da impessoalidade, pois apenas aceitou como 'justa' para demissão a comunicação ao MP de eventuais ilícitos praticados no exercício da função pública", diz trecho do acórdão.
"Os argumentos e os documentos juntados permitem inferir eventual retaliação por parte da autoridade impetrada [Unesp]", acrescenta.
O próprio Ministério Público se manifestou pela reintegração da advogada e afirmou em parecer que "é dever do funcionário público levar as irregularidades que tiver conhecimento ao seu superior hierárquico e quando este estiver envolvido, levá-las ao conhecimento da autoridade com competência para apuração".
Segundo a promotoria, "foi exatamente o que a impetrante [advogada] fez".
A própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também ingressou nos autos como "amicus Curiae" (amigo da Corte) e argumentou que a demissão foi ilegal.
"A advocacia pública é mensageira de verdades inconvenientes aos gestores, que muitas vezes precisam ser esclarecidas perante os órgãos de controle, em prol do erário e do interesse público. É da natureza da função essencial à justiça, à função típica de Estado, da liturgia do cargo", menciona.