Um exame de sangue se mostrou capaz de diagnosticar a doença de Alzheimer em pessoas já com sintomas com mais precisão do que a interpretação de médicos a partir de testes cognitivos e tomografias computadorizadas, que é o método padrão. O teste já está disponível no Brasil.
A conclusão é de um estudo publicado no Jama (Journal of American Medical Association), com cerca de 1.200 pacientes, que demonstrou que, em 90% das vezes, o teste identificou corretamente se aquelas pessoas com problemas de memória tinham Alzheimer ou não.
De acordo com o trabalho, especialistas em demência que usaram o método padrão foram precisos 73% das vezes. Já os médicos da atenção primária acertaram 61% das vezes. A pesquisa foi conduzida na Suécia.
Mais simples
Os resultados do estudo sueco foram apresentados durante a conferência da Associação Internacional de Alzheimer, que acontece na Filadélfia (EUA). Para especialistas, o teste tem potencial de abrir caminho para uma forma mais barata e simples de diagnosticar o Alzheimer, doença que afeta 1,2 milhões de pessoas no Brasil.
Hoje, o médico analisa o histórico médico do paciente, discute sintomas, administra testes cognitivos verbais e visuais. O paciente também pode ser submetido a uma tomografia por emissão de pósitrons (PET scan), uma ressonância magnética ou uma punção lombar - testes que detectam a presença de duas proteínas no cérebro, placas de amiloide e emaranhados de tau, ambos associadas ao Alzheimer.
O exame de sangue mede exatamente essas proteínas no plasma e, por meio de escore, indica a presença ou ausência de placas amiloides cerebrais, que são alterações características da doença de Alzheimer.
"A taxa de acerto é perto de 90%. Isso aumenta muito a confirmação diagnóstica e se sai melhor do que a impressão do clínico", diz o neurologista Fábio Porto, diretor científico da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer), que está participando da conferência na Filadélfia.
Precisão
Para o neurologista Paulo Caramelli, professor titular da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), os métodos baseados em sangue vieram para ficar. "Eles têm demonstrado cada vez mais a capacidade de fazer um diagnóstico preciso, principalmente em pessoas com sintomas, menos invasivo e com potencial de ser mais barato."
Mas Caramelli considera fundamental que esses achados encontrados no estudo sejam investigados em outras populações antes de o teste ser ser indicado para a população brasileira, por exemplo.
"O estudo foi feito na Suécia, do ponto de vista étnico e de outras variáveis biológicas e não biológicas, como hábitos de vida e comorbidades, não sabemos o quanto podem influenciar a dosagem e os valores de corte desses testes", afirma.
Tanto ele quanto Porto reforçam que somente pessoas com perda de memória e outros sintomas de declínio cognitivo, já com acompanhamento médico, devam ser submetidas ao teste. Ou seja, o exame não é para pessoas cognitivamente saudáveis que tenham a intenção de prever se desenvolverão Alzheimer ou não.
"Se você pegar esse teste e fazer em crianças ou pessoas sem comprometimento cognitivo, por exemplo, vai dar um monte de falso positivo. Não é para ser usado como rastreio. É para confirmar a hipótese da doença de Alzheimer em pessoas já com declínio cognitivo", diz Porto.
O neurologista observa que se o teste detectar a doença em uma pessoa sem comprometimento cognitivo não há o que fazer porque não existe medicação preventiva a ser oferecida.
Preço do teste
No Brasil, o teste, chamado de PrecivityAD2, custa R$ 3.600,00 no laboratório Fleury e não é coberto nem pelos planos de saúde e nem pelo SUS. Segundo o laboratório, a indicação é apenas para pacientes acima de 55 anos e que apresentam sinais ou sintomas de comprometimento cognitivo ou demência. Para realizá-lo, é preciso apresentar pedido médico detalhando o motivo da solicitação.
Alzheimer pode começar a se desenvolver 20 anos antes
Estudos já demonstraram que a doença de Alzheimer pode começar a se desenvolver cerca de 20 anos antes de quaisquer sintomas, mas às vezes a demência não se manifesta, ou as pessoas morrem de outras causas antes disso. Por isso, os autores do estudo dizem que há "risco de ansiedade e outras reações psicológicas" em relação ao resultado desses testes, quando realizados fora das recomendações.
De acordo com Fabio Porto, por enquanto, o teste ainda não elimina a utilização do método padrão para o diagnóstico de Alzheimer. "Mas isso deve mudar em pouco tempo. É possível que o exame de sangue vá conseguir se manter por si só." O uso de biomarcadores - substâncias no corpo que indicam a doença - para o diagnóstico de Alzheimer mesmo em pessoas sem sintomas tem sido defendido por um grupo de trabalho liderado pela associação americana de Alzheimer, mas é controverso.
A Sociedade Americana de Geriatria, por exemplo, chamou os critérios propostos de "prematuros" - e observou a alta proporção de membros do painel com vínculos com as indústrias farmacêutica e de biotecnologia, criando potenciais conflitos de interesse. Os autores do estudo também afirmam que exames de sangue devem ser realizados somente após a administração de testes que avaliem a memória e as habilidades de pensamento e tomografias computadorizadas que busquem causas alternativas como derrames ou tumores cerebrais. E os resultados dos exames de sangue devem ser confirmados por um dos métodos padrão-ouro: tomografias por emissão de pósitrons ou punções lombares para medir a proteína amiloide, que se acumula e forma placas nos cérebros de pacientes com Alzheimer.