Elas não possuem nacionalidade, nome ou sobrenome, não podem se matricular na escola ou receber benefícios dos programas sociais governamentais. Sem registro de nascimento em pleno século 21, 53 crianças não existem oficialmente em Bauru, conforme revelou o Censo Demográfico 2022, cujos dados foram divulgados nesta quinta-feira (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Todas tem até cinco anos e, apesar de existirem, não possuem garantia de acesso a todos os direitos previstos em lei. Se chegarem à vida adulta sem o documento, por exemplo, também não conseguirão obter RG, título de eleitor, CPF, CNH, formalizar casamento, alistar-se no Exército ou abrir conta em banco.
Também foram identificadas 33 crianças de até 5 anos residindo com entrevistados pelo Censo que não sabiam se elas tinham certidões e quatro cujos responsáveis não forneceram esta informação. Entre as 53 que não possuem registro civil, o contingente mais afetado é formado por menores de 1 ano - 20 no total.
Outros quatro tinham 1 ano; sete, 2 anos; três estavam com 3 anos; e nove com 4 anos. Foram contabilizados, ainda, 10 crianças com 5 anos, fase em que já deveriam estar frequentando a escola e, certamente, ainda não tiveram acesso. Já em relação à cor da pele ou raça, 26 eram brancas; 23, pardas; e quatro, pretas.
O número em Bauru só não é maior porque, há mais de duas décadas, os cartórios de registro civil da cidade realizam visitas diárias às maternidades para emitir as certidões dos recém-nascidos. Mas há casos em que os bebês deixam de ser registrados nas primeiras horas de nascimento porque os pais não portavam documentos pessoais ou não tinham escolhido o nome do filho.
Outro motivo não muito incomum para o atraso é indecisão ou recusa do pai em assumir a criança. E, quando as mulheres saem da maternidade, o desconhecimento sobre a gratuidade da certidão pode retardar a ida ao cartório posteriormente.
Na Justiça
Independentemente das causas, que precisam ser investigadas e corrigidas, o fato é que a ausência de registro entre crianças agravou-se em Bauru, visto que, no Censo de 2010, foram contabilizadas 45 delas nesta situação, considerando o grupo mais amplo, com até 10 anos. O dado foi publicado em reportagem do JC que e ensejou a instauração de um inquérito civil pelo Ministério Público Estadual, em 2012.
À época, o órgão solicitou ao IBGE informações que permitissem a localização das residências onde viviam aquelas crianças, mas o instituto argumentou que leis federais garantiam a confidencialidade dos dados que possibilitam a identificação dos cidadãos. Após ação civil pública instaurada pelo Ministério Público Federal em 2017, o IBGE recebeu condenação, mas a decisão foi suspensa no mesmo ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2019, finalmente, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o MPF e o IBGE colocou fim ao imbróglio, com o instituto assumindo o compromisso de mapear todas as regiões do País onde o problema persistia, além de atuar junto às Promotorias de Infância e Juventude nos Estados para orientá-las sobre a interpretação daquelas informações.