OPINIÃO

Os indígenas entre nós

Por Mateus do Amaral |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e técnico do IBGE

Vizinho de Bauru, o município de Avaí é conhecido por abrigar a Terra Indígena Araribá. Ocasiões como os festejos do Dia dos Povos Indígenas (19 de abril) e os Jogos Indígenas permitem que visitantes possam saber mais sobre Araribá e as etnias que lá estão presentes, como a Terena, a Guarani e a Kaingang.

No Censo 2022, o IBGE também visitou a Terra Indígena. Por vários dias, técnicos e recenseadores percorreram as suas quatro aldeias para atualizar os mapas de trabalho e entrevistar os moradores de cada domicílio, com o objetivo de contar a população e conhecer suas condições de vida. Um dos recenseadores foi Kutiara Sebastião, indígena Terena nascida na aldeia Kopenoti. Já eu fui o responsável pela aldeia Ekeruá, outra de maioria Terena. Nas entrevistas, os moradores falavam comigo em Português, mas muitas vezes conversavam entre si no idioma Terena.

Eu ficava impressionado com aquela sonoridade tão diferente e ao mesmo tempo tão brasileira, de uma língua falada por poucas milhares de vozes (a maioria no Mato Grosso do Sul, estado de origem da etnia) e que, segundo a Unesco, corre risco de extinção, destino contra o qual trabalham as escolas indígenas de Araribá.

Contar a população indígena é garantir visibilidade estatística a esses povos originários. Desde o Censo 1991, o quesito cor ou raça do questionário do IBGE - que já tinha as opções branco, preto, pardo e amarelo - inclui a categoria indígena, graças à demanda de mais informações sobre essa população.

No Censo 2010, além de apurar as pessoas que se declaravam indígenas na questão sobre cor ou raça, o IBGE também passou a fazer uma pergunta de cobertura em todos os domicílios dentro de terras demarcadas, para saber se os moradores se consideravam indígenas. Foi uma adaptação para diminuir a subnumeração dessa população, uma vez que, historicamente, muitos indígenas se declaram pardos no quesito cor ou raça. No Censo 2022, essa pergunta também passou a ser feita em áreas não homologadas mas de notória presença indígena, com base em informações da Funai e de outras fontes.

Mas esse ajuste metodológico não é a única explicação para o grande aumento da população indígena do Brasil, que passou de 294 mil em 1991 para 1,7 milhão em 2022 (quase o dobro dos 900 mil contados em 2010). Outros fatores, como a natalidade, a melhoria da cobertura do Censo e o crescimento do número de pessoas que se dizem indígenas - resultado de um esforço de resgate da autoestima indígena na sociedade brasileira, como também acontece com a população declarada preta - tiveram papel nessa mudança. Há quem diga que a pergunta de cobertura seria uma tentativa de inflar artificialmente o número de indígenas no país, hipótese que está muito mais distante da realidade do que o total apontado pelo IBGE.

O Censo 2022 revelou que Araribá tinha um total de 641 indígenas - um aumento de mais de 20% em relação a 2010. Fora dessa área, Avaí tinha 36 moradores declarados indígenas em 2022, o que totaliza 677 pessoas, ou cerca de 15% da população (que era de 4.483 habitantes). Isso faz de Avaí, proporcionalmente falando, o município mais indígena do estado de São Paulo.

Bauru, que não tem terras demarcadas, teve um total apurado de 515 pessoas indígenas. Em todo o Brasil, mais de um milhão não mora em aldeias - o que não os torna menos indígenas -, e nove em cada dez municípios do país têm moradores indígenas.

Em números absolutos, a Capital lidera em São Paulo, com 13 mil pessoas - o estado tinha 55 mil em 2022, dos quais 4 mil viviam em áreas oficiais. Os estados de Amazonas (490 mil) e Bahia (229 mil) concentravam cerca de 42% de toda a população indígena do país.

Se houvesse um censo neste texto, o termo "indígena" seria contado 26 vezes. Assim como neste artigo, não é possível falar do Brasil sem a palavra "indígena".

Enquanto em alguns segmentos da sociedade, há um esforço para invisibilizar essa população (e inviabilizar seus modos de vida), os dados do IBGE revelam que ela existe e está em todos os cantos do país - inclusive aqui entre nós.

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