OPINIÃO

Amorosa escuridão

Por Roberto Magalhães |
| Tempo de leitura: 1 min
O autor é professor de redação e autor

Serena era cega. Suas mãos, não. Todas as manhãs, seus dedos liam silabicamente o rosto do marido, querendo saber como ele estava. Os dedos contornavam o desenho dos lábios, soletravam a inervação dos músculos faciais, percorriam as rugas da testa... Lúcio, meu amor, você está triste. Ontem também. O que está acontecendo com você, querido? Era impossível esconder de Serena qualquer fiapo de tristeza, ela lia muito bem a escuridão. Lúcio estava destruído. Como aceitar que os olhos de Serena tivessem adoecidos e escurecidos tão repentinamente?

Era com os olhos que eles se amavam. Era com os olhos que eles se diziam frases de impossível tradução. Era com os olhos que eles avisavam os lábios da urgência do beijo. Todavia, os desígnios da sorte apagaram para sempre toda poesia que brilhava nos olhos de Serena. Numa noite triste, como eram agora todas as outras, eles dividiam uma taça de vinho, quando a mão de Serena, querendo ler a alma do amado, passeou-lhe pelo rosto. Assustados, os dedos estremeceram. Lúcio, meu amor, você está feliz! E isso me faz mais feliz ainda! O que lhe aconteceu, querido?

Tomado por um impulso, Lúcio apagara todas as luzes, sem chance sequer para frestas de cortina. Então, confessou: Serena, meu amor, escureci inteiramente a casa, agora estamos compartilhando a mais perfeita e amorosa escuridão.

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