É muito mais que isso

27/11/2022 | Tempo de leitura: 4 min

Por Carlos Brunelli

Há certas palavras que transcendem seu significado, por não caberem em si mesmas. Sua abrangência é tão maior, que resumi-la a uma limitada explicação seria ultrajar sua grandeza. Recorrendo a um bom dicionário, decerto nele figurarão uma bela definição, a classe gramatical, o gênero, alguns sinônimos, duas ou três aplicações práticas em frases e até mesmo os sentidos figurados em que é admitida, mas nada disso será suficiente para estabelecer sua real significância.

Talvez isso se dê por serem tais palavras muitas em uma, um mix de conceitos, posicionamentos e atitudes. Um misto de sentimentos e impulsos. Uma dessas palavras é "Bondade". E ela está visceralmente atrelada ao ser humano, pois não se discute uma eventual "bondade animal", mas sim e sempre se debate sobre a bondade humana.

Necessário constatar que ao contrário da onipresença (estar em todos os lugares ao mesmo tempo) ou da onisciência (conhecer tudo antecipadamente) - atributos divinos incomunicáveis (aqueles que não foram transmitidos aos seres humanos) - a bondade é um atributo comunicável de Deus, isto é, foi outorgada aos seres humanos para dela fazerem uso. "Tu me deste vida e bondade, e o teu cuidado guardou o meu espírito" (Jó 10.12). Ao ser humano, portanto, foi permitido conhecer e exercer a bondade. Mais ainda, foi estimulada sua prática.

A bondade nunca vem só, vez que é feita de inúmeras partículas de coisas boas amalgamadas num virtuoso bloco de benignidades. Assim é que, entremeadas a ela, estão a misericórdia, o carinho, a atenção, a caridade, o doar e o doar-se, o cuidado, a preocupação sincera com o próximo, a empatia, a justiça, a inconformidade com o mal, a lágrima solidária, o riso solidário, a alegria. Uma torrente de manifestações que jorram do mais íntimo do ser para envolver o semelhante, e que só é possível em um estado absoluto de paz de espírito. Talvez na bondade esteja o cerne da criação, pois Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (Gênesis 1.26). E em quem mais, a não ser no Criador, encontrar todas as características e atitudes acima desfiadas.

Mas para muitas pessoas, bondade é uma breve explosão de benevolência, um débito momentâneo em nossas energias e recursos ou um constrangimento social, um crédito para nosso senso de altruísmo e engajamento. Qualquer que seja o benefício que tais atos acumulem, eles ficam muito aquém de como a Bíblia enquadra a bondade. É muito mais que isso! Em termos bíblicos, a bondade é inerentemente relacional e essencialmente pactual. A bondade de Deus não é caprichosa ou inconstante - ao contrário, flui de uma graça fundamentada em seu caráter, tecida ao longo da história e escrita no sangue de seu Filho, Jesus Cristo. Deus tem sido bondoso, paternal, fiel e perdoador para com os que o amam e até sobre os que o desprezam. O salmista carregava essa convicção em seu íntimo: "Sei que a bondade e a fidelidade (do Senhor) me acompanharão todos os dias da minha vida" (Sl 23.6). A bondade elaborada no pacto do Eterno está longe de ser aleatória e é tão regular quanto seu caráter infalível.

Então, onde foi que a bondade humana se perdeu? Na rebeldia, na desobediência, no desafio aos ensinamentos divinos. Essa revolta provocou a culpa, com a culpa a queda, com a queda a peregrinação em busca do socorro, mas com a peregrinação a esperança. E essa esperança inegavelmente veio em Cristo Jesus, o próprio Deus que se fez humano para, agora visivelmente à nossa imagem e semelhança, mostrar o caminho e que é possível. Possível recuperar o tempo outrora despendido apenas em correr atrás da própria satisfação; recuperar o real significado de compromisso com o próximo; o sentido de justiça em sua plenitude; resgatar a intencionalidade das pessoas em obrigar-se umas às outras e cada uma delas a todas.

Jesus, indisfarçadamente tão à nossa imagem e palpavelmente semelhante a nós, em sua humana divindade e divina humanidade nos mostrou, no derradeiro ato de sua terrena passagem, toda a bondade originalmente concedida ao homem. Em seu sacrifício na cruz não faltou qualquer partícula das coisas boas do tal bloco de benignidades. A bondade humana pode e deve ser recuperada, bastando para tanto a entrega total, confiando e crendo de todo o seu coração no Salvador. Aí então, com a paz de espírito que lhe invadirá, certamente irá descobrir que a bondade desenvolvida no pacto do Deus Eterno também pode ser chamada de Amor.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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