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Bagunça provoca e alimenta estresse

Nélson Gonçalves
| Tempo de leitura: 7 min

De nada adianta culpa-se. Bagunça é sinônimo óbvio, nato, de desorganização. Livrar-se do ‘caos’ implica em ter coragem de admitir que algo na rotina não anda bem. O fato é que profissionais da neurociência e psicologia fazem estreita relação entre bagunça e aumento de estresse, fator nada bom para quem quer que seja e a todos a sua volta.

Na essência, para uma corrente de profissionais que estuda o comportamento humano, desarrumação é sinal de que você deixa sempre alguma coisa pra trás. Ou seja, com franqueza, viver sob desorganização tem sua raiz ligada a procrastinar, deixar algo ou alguma coisa sempre para depois ou fora do lugar e, embutido nisso, umbilicalmente, tudo isso significa: alguma insatisfação.

A questão é que, diagnosticado por um ângulo ou outro, a pessoa desorganizada perde tempo em razão desse comportamento e, o pior, alimenta estresse permanente em sua vida. Ao contrário disso, organizar seus pertences e mantê-los em ordem facilita o trabalho, o funcionamento do cérebro. É o que especialistas como o neurologista Leandro Teles, da Academia Brasileira de Neurologia, por exemplo, escreve em um de seus textos científicos. Organização implica em gerar previsibilidade ao cérebro para ele executar suas tarefas.


Dispêndio
Ou seja, por este e outros estudos já publicados, na bagunça o cérebro gasta tempo, energia, esforço adicional para tentar localizar o que se pretende. E, às vezes, nem o encontra. E isso irrita. E isso é estressante. E tudo isso, em linguagem bem leiga, direta, “cansa a cabeça”. Com o tempo, essa energia adicional consumida em razão da desarrumação no seu armário ou no escritório acumula desgaste cerebral maior, cansa mais e, na roleta russa mental, tende a provocar outros males.

Assim, objetivamente, se o ambiente está arrumado, o indivíduo resolve algo ou inicia uma ação de forma mais ágil, adiantada em relação a quem faz o mesmo em meio à bagunça. Arrumação, portanto, além de colaborar com o planejamento do tempo, ajuda na sensação de tranquilidade permanente e no controle do bem-estar, tudo isso associado à produção de neurotransmissores que fazem bem, como a serotonina. Essa conclusão é abundante entre profissionais (leiam a seguir).

E se você não “está nem ai” para sua bagunça, tem um “ingrediente” a mais para raciocinar: desarrumação pode ser indicativo de infelicidade. E se não o for, é certo que ela gera angústia, tristeza.


Desorganização pode ser representação da condição emocional da pessoa 

A psicóloga Mauricéia Quinhoneiro, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, afirma que a desorganização gera consequências inevitáveis no ser humano, desencadeando estresse. 

“A desorganização reforça a questão dos neurônios espelhos, onde reproduzimos mentalmente a bagunça externa. Quando estamos sob efeito do estresse ou depressão, tendemos a negligenciar o ambiente. E toda a bagunça torna-se uma representação da nossa condição emocional”, aborda.

Para Quinhoneiro, todos os extremos merecem atenção e cuidado. “A bagunça pode ser evidência de maus hábitos. Muitas pessoas são bagunceiras porque não aprenderam ser diferentes e daí não vivenciaram as vantagens de um ambiente funcional e organizado. E então só descobrem que tem algo errado na convivência com pessoas mais organizadas e ou quando observam prejuízos significativos na qualidade de vida ou na administração do tempo”, reflete.

Estímulo
Nestes casos, recomenda, é necessário sacrifício e motivação para mudança de hábitos. “A terapia pode ser útil por meio de estratégias de resolução de problemas e de desenvolvimento de habilidades”, afirma. A psicóloga acrescenta que a bagunça pode ser, também, algo circunstancial e refletir fases de vida conturbadas envolvendo estresse, mudanças e adaptações.

Nestes casos, o caos externo tende a refletir as condições emocionais. “Na terapia, poderemos incentivar ações cognitivas e comportamentais. Começamos organizando a gaveta e depois os pensamentos ou o contrário”, sugere Quinhoneiro.

De outro lado, ela pondera que pessoas organizadas demais - ou que perdem tempo e energia em excesso com a arrumação - podem vivenciar uma necessidade de controle disfuncional. Ou seja, o equilíbrio é ao centro, na definição de comportamentos. “Nem tudo pode ser organizado e previsível e uma certa flexibilidade tende a ser muito mais adaptativa”, complementa.


Ambiente ainda reflete quem somos

O “ambiente nosso de cada dia” influencia e reflete nosso estado de espírito e implica, até, em definir nossa subjetividade, ou seja, quem somos e como funcionamos, qual é nosso jeito de ser. Ou, ainda, como estamos naquele momento. Quem faz essa abordagem é a psicóloga, mestre e doutora, Carmen Maria Bueno Neme (Pilé).

E essa postura ou comportamento pode revelar mais. “Pessoas que se encontram ‘desorganizadas’ internamente, num determinado momento da vida, podem expressar ou revelar este estado no seu ambiente doméstico. Ou mesmo no de trabalho, não conseguindo arrumar a casa, o quarto etc”, diz.

Ela exemplifica. “Pessoas enlutadas, podem estar tão desorganizadas internamente que não conseguem organizar o espaço à sua volta. O mesmo pode ocorrer com pessoas deprimidas. Freud demonstrou como as pequenas atitudes do dia a dia podem revelar motivações inconscientes e Sartre vai ainda mais longe, dizendo que nós nos revelamos em tudo”.


Retrato
Assim, a forma como nos vestimos, comemos, os gestos, a maneira como funcionamos dizem o que somos. “No entanto, dependendo de seu modo de ser ou personalidade, uma pessoa que está vivendo um momento de desorganização como numa situação de perda, de luto ou de grande sofrimento, as quais demandam readaptações importantes, podem apresentar um comportamento oposto”, aborda.

Ou seja, Carmem Neme sugere levar, sempre, em conta o que está acontecendo com a pessoa naquela fase ou momento. No exemplo do luto, ela complementa que o sofrimento pode fazer com que a pessoa passe a “necessitar organizar muito seu entorno, tornando-se até mesmo detalhistas e perfeccionistas, buscando, desta forma, organizar o seu mundo interno, suas emoções e sentimentos”.

Dificuldade
Para psicóloga Carmen Maria Bueno Neme, a desorganização refletida ou expressa no ambiente pessoal também pode indicar outro tipo de condição. “Há pessoas que possuem um funcionamento neuropsicológico que demonstra sua dificuldade de planejar ou de executar tarefas planejadas”.

Ela cita como exemplo pessoas com dificuldades de atenção/concentração e hiperatividade (o famoso TDAH - Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). Elas podem ter dificuldade em organizar seu ambiente (quarto, guarda-roupa, mesa de trabalho, etc..), pela dificuldade de concentrar sua atenção em determinados estímulos mais relevantes para aquela tarefa, deixando de lado os irrelevantes.

“Desta forma, não conseguem organizar ou terminar tarefas necessárias para o ordenamento do espaço”, menciona a psicóloga. Mas, de um modo ou outro, as consequências são negativas, ressalta. “Os efeitos destes ambientes pessoais muito desorganizados são bastante negativos, pois levam a pessoa a perder tempo procurando objetos, documentos, gerando ou aumentando o estresse, frustrando e interferindo na autoestima”, afirma.


O oposto

No extremo oposto, há pessoas que apresentam outro modo de funcionamento: são detalhistas, perfeccionistas, mais rígidas e podem chegar a um detalhamento obsessivo, arrumando demais e, até mesmo, se incomodando demais se algum objeto ou detalhe esta fora de lugar.  A psicóloga Carmem Neme sugere observação igualmente séria sobre este outro extremo de comportamento. “Se um quadro está um pouco torto na parede, se a colcha da cama não está perfeitamente esticada, se há algum cisco no chão”. São modos de ser que precisam ser levados em conta. 

“Podem ter a necessidade de organizar o guarda roupa, pendurando as camisas de acordo com suas cores, arrumando armários da cozinha, dispondo os rótulos dos produtos para um só lado etc. Nesta condição, o que está na base é uma grande ansiedade que a pessoa busca diminuir deixando o ambiente externo perfeitamente sob controle”, explica. Mas aqui reside o ‘perigo’, sustenta Carmem Neme. “Esta forma obsessiva e às vezes compulsiva de arrumar demais o espaço à sua volta não produz os efeitos desejados, pois ao invés de aplacar a ansiedade, apenas a incrementa e a pessoa precisa continuar sua obsessão-compulsão à exaustão”, adverte.

E esse círculo de ansiedade também ataca, como o extremo da bagunça, o estresse. “Nesse caso o estresse também é considerável, pois a pessoa gasta tempo demais em tarefas irrelevantes e improdutivas no sentido concreto. Perde-se frente aos seus objetivos e metas, não consegue relaxar e aproveitar momentos de descontração  e, da mesma forma, isso gera um efeito de ‘bola de neve’: quanto mais busca reduzir sua ansiedade (interna) com medidas externas, mais aumenta sua ansiedade e tensão”, conclui.

 

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