Samantha Ciuffa |
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Milene Dias, Evelin Nunes, Juliana Pinheiro e Ana Beatriz Garcia |
Você é adepto da “procrastinação”? Se não sabe o significado da palavra, pense bem antes de responder, porque nove entre dez pessoas cometem, já cometeram ou vão cometer, o ato de “empurrar com a barriga”, deixar para fazer o que é preciso só na última hora. Isso porque procrastinação nada mais é do que o adiamento de algo que se precisa fazer. Simples assim.
Do ponto de vista cultural, bem coisa de brasileiro, não é? Mas, embora não seja uma doença, para quem faz disso um hábito, aí vai um alerta: usar desse expediente sempre resulta em estresse, sensação de culpa, perda de produtividade e punição no trabalho ou nos estudos.
Isso sem falar na vergonha em relação aos outros por não cumprir com responsabilidades e compromissos. Ou então, o que é pior, não reconhecer o problema e cria antipatia por sempre ter uma desculpa para o ato de deixar para última hora. Por isso, o costume merece, inclusive, estudo psicológico.
Exceção à regra, estudantes se deram bem!
O caso das estudantes de comunicação Milene Dias, Evelin Nunes, Juliana Pinheiro e Ana Beatriz Garcia é um exemplo típico do que acontece com a maioria dos estudantes brasileiros. Elas fizeram, na semana passada, um trabalho em grupo e entregaram na última hora. Elas perderam uma noite inteirinha de sono, o frio naquele dia foi um dos piores da história de Bauru, e só terminaram no dia da entrega. “Já tínhamos escolhido o tema para a produção do documentário, mas depois avaliamos que o material não ficaria bom e decidimos mudar de tema faltando dois dias para a entrega. Foi corrido, parte do grupo passou a noite em claro, mas conseguimos”, diz Evelin Nunes, 22 anos, que estuda à noite e faz estágio durante o dia. A falta de tempo é outro complicador. “Alguns alunos não trabalham, por isso conseguem se dedicar mais. Sem contar que trabalhos em grupo exigem organização para que todos participem e as ideias coincidam”, diz.
Mas ela concorda que isso não é o ideal. “Infelizmente, o serviço feito na correria não proporciona a mesma dedicação e aprendizado que uma atividade feita com atenção e organização”.
Milene Dias, outra integrante do grupo, concorda. “Sei que isso atrapalha, sim. Se tivéssemos feito com antecedência, teria ficado melhor ainda”.
Ela também estuda e trabalha (como recuperadora de crédito) e considera que o hábito de procrastinar, para o brasileiro, é “uma questão de comodismo”.
"Não é doença, mas merece atenção”
Para o psicoterapeuta do Centro de Terapia Cognitiva Luiz Lima Dourado, embora a procrastinação possa ser considerada uma condição normal do ser humano (“poucas pessoas não têm o hábito de praticá-la, e a maioria o faz com certa frequência”) e não possa ser considerada doença, esse é um hábito que “merece um tratamento especial quando começa produzir sofrimentos como instabilidade familiar, perda econômica, ansiedade, estresse, sentimentos de culpa, perda de produtividade, rendimento escolar baixo entre outros problemas”.
JC - Por que razão a procrastinação ocorre?
Luiz Dourado – A resposta é mais complexa do que parece. Pode ser decorrente da falta de autocontrole, que faz com que as pessoas adiem atividades que deveriam considerar prioridades. Parece ser uma forma impulsiva de comportamento ou perda de um senso crítico e racional.
JC – Há uma fuga?
LD – Sim, pode ser motivada pela fuga ou esquiva diante de um evento aversivo para não experimentar a sensação ruim de certas atividades. Mas pode ser motivada também por um reforço positivo resultante de “benefícios” da procrastinação.
JC – A pessoa “empurra” para fazer só o que é bom, é isso?
LD - Na realidade, o que se observa é que não existe procrastinação nas atividades prazerosas, como ouvir uma música. Ninguém adia uma partida de futebol com os amigos no final de semana.
JC - Dá para mudar esse comportamento?
LD - Sim. Através de um instrumento que chamamos de análise funcional podemos encontrar os antecedentes e consequentes do comportamento e modificar a atuação do mesmo através do reforço positivo, a apresentação de vantagens para não deixar para depois. As causas têm muito mais relação com causas externas do que algo interno, os motivos estão mais no ambiente que nos cercam e quase sempre são inconscientes.
JC - Mas e os que só fazem tudo na última hora, mesmo o que é positivo?
LD – Sim, há quem dê prioridade a coisas menos importantes em detrimento de priorizar atividades mais necessárias, mas a grande dificuldade é descobrir o que é menos importante e para quem é menos importante. Isto é muito subjetivo.
JC - Há algum aspecto positivo nesse “deixar para depois”?
LD – Positivamente, pesa o prazer do tempo presente despreocupado com o custo e benefício que podem ocorrer no futuro. Mas “não deixe para amanhã o que se pode fazer hoje”, diz o dito popular. O adiamento de atividades que deveriam ser feitas em tempo oportuno podem causar transtornos emocionais, principalmente em relação ao sentimento de culpa pelo fato da não execução da atividade interferir negativamente em um evento posterior daquela ação. Um exemplo? O indivíduo que recebe visitas de última hora e a sua residência está desorganizada e isto causa certo constrangimento pelo fato de ter adiado a arrumação que já poderia ter sido feita.
Na contramão
Carla Padovez, 50 anos, cabeleireira, é um exemplo de quem não empurra com a barriga e não se atrasa. “Talvez por causa da minha profissão seja exatamente ao contrário, estou sempre adiantada, esperando as clientes de hora marcada”. Ela cita outro exemplo do porquê gostar de estar no horário e não deixar nada para depois nem ninguém esperando. “Eu atendo em casa de repouso e lá os pacientes são sempre ansiosos. Nunca é bom deixá-los esperar. E a ansiedade deles pela chegada da gente é grande. Não tanto pela beleza, pelo tratamento em si, mas acima de tudo pela atenção que terão”.