Wagner Teodoro

Método e loucura

22/09/2019 | Tempo de leitura: 3 min
JCNET

Repercutiu bastante a entrevista de Daniel Alves no começo da semana, onde o são-paulino foi franco e falou sobre os problemas da equipe e também sobre a relação com a imprensa. A polêmica foi mais pelo atleta ter alfinetado a mídia esportiva, dizendo ela gera desconforto, "está sempre para desestabilizar" e que nunca jogou futebol. E é verdade, a imprensa gera desconforto, isso é missão do jornalista, além de informar, gerar desconforto, várias vezes, tocando em assuntos que muitos gostariam de evitar, criticar, apontar falhas, denunciar. Enfim, ele não disse nenhuma mentira. Mas eu entendi a colocação de Daniel Alves. Ele, enquanto funcionário do clube e referência do elenco, procura blindar seu time, afastar aquilo que pode abalar o trabalho dos jogadores. As declarações que vieram a seguir corroboram o "Daniel Alves corporativista", quando ele disse que a crônica não poderia compreender que na posição de meia ele contribuiria mais com o time, já que a maioria dos jornalistas nunca jogou futebol. Mais uma vez, compreendo o ponto de vista no contexto que ele expôs de os jogadores se centrarem no trabalho em busca de não sofrerem com a instabilidade de fora do clube para dentro. Daniel Alves apenas externou com extrema sinceridade o que certamente é falado e todos os vestiários.

Padrão de jogo

Mas o que me chamou mais atenção na entrevista de Daniel Alves foi a lucidez ao comentar o que o São Paulo (e todos os times, por consequência) precisa para se bem-sucedido. O conceito de futebol. É a contribuição da entrevista, já que ele traz algo com que conviveu durante anos na Europa. Certamente, os conceitos no Barcelona e na Juventus eram diferentes. Porém, são equipes que apresentam um padrão próprio de como jogar futebol e apostam nele todas as fichas. E ganham. Para Daniel Alves, é o que funciona. Mas o conceito tem que existir já a partir da diretoria, na contratação de um determinado treinador. Quando o Noroeste for acertar com um técnico para a próxima Série A3, é necessário ter um conceito do que se quer do time e do que esperar do trabalho e postura em campo. E se o perfil do elenco pode atender isso. É para subir jogando de que maneira? Fábio Carille tem um conceito claro de futebol. O Corinthians adotou um conceito desde Mano Menezes, passando por Tite e, mais recentemente Carille, com alguns nomes que tiveram breve passagem entre eles. É um padrão, uma opção por um modelo tático mais reativo. Fernando Diniz, para ficar nos extremos, tem outra visão. O "pacote" que vem com ambos é conceito da diretoria que os contrata. Porém, o problema é quando o padrão, o conceito, transforma o time em previsível. Aí, é imperativo se repensar.

 'Fora da caixinha'

 O argumento do conceito, da filosofia de trabalho, da proposta não deve esconder a limitação, a acomodação ou a incapacidade de efetuar mudanças. O conceito, em determinados casos, deve reavaliado em uma checagem para ver se ganha o certificado de excelência. Sim, porque muitos técnicos simplesmente são reféns de esquemas engessados e morrem abraçados pela incompetência ou falta de lucidez sobre a necessidade de mudança, inovação. Se é preciso "projeto", como nos deixou claro o "profexô" Vanderlei Luxemburgo há muitos anos, é salutar a autocrítica para os ajustes ou guinadas que se impõem. Mano Menezes, inteligente, dá sinais de uma mudança de filosofia em sua chegada ao Palmeiras, pelo menos no discurso, porque o trabalho ainda é curto para ser analisado. Outros morrem abraçados com a concepção e ideias nas quais se apegam por décadas e reproduzem sempre o "mesmo time" apenas com elencos diferentes. Já vi técnicos que repetem treinos durante anos. Há momentos em que é imprescindível deixar a zona de conforto, e colocar em prática o famoso pensar "fora da caixinha". E isso vale para todas as modalidades. Invertendo o sentido da célebre frase que Shakespeare nos sopra pela boca de Polônio em Hamlet, é método, mas é preciso haver um pouco de loucura nele.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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