Wagner Teodoro

A falta dos gols de falta

10/11/2019 | Tempo de leitura: 3 min

Quando Kaio Jorge se posicionou para cobrar falta frontal à área do Chile na vitória do Brasil da última quarta-feira (6) por 3 a 2, estava prestes a acabar com um constrangedor jejum do futebol brasileiro. O atacante do Santos bateu forte, no canto direito do goleiro, abriu o placar e fez o primeiro gol de falta da Seleção Brasileira em cinco anos. Parece inacreditável, mas é a pura verdade. Detalhe: Kaio Jorge defende o time sub-17 nacional. Na equipe principal segue a seca de gols de falta desde Neymar anotador em um "longínquo" 2014 em vitória sobre a Colômbia. A constatação é que base e profissional do Brasil não dão atenção merecida às faltas, lance obviamente decisivo.

Até porque a seca não se restringe à Seleção. No Brasileirão é raridade gol de falta também. A semana que passou foi privilegiada para os padrões do futebol nacional, com um gol de falta do CSA diante do Grêmio. Fato realmente raro. Em 31 rodadas, ou seja, 310 jogos, foram 709 gols. Somente 14 marcados de falta. E a tendência vem se acentuando ano a ano. A última temporada do Brasileirão que teve mais de 40 gols de falta foi a de 2013, com 46. Depois, o Nacional nunca chegou a 30, sendo que em 2016 foram apenas 17 em 380 partidas. Se a atual edição seguir a tendência que vem mostrando, vamos ficar em número parecido.

Há algum tempo

É uma pena o processo de "extinção" do exímio cobrador de falta no futebol brasileiro. No Brasileirão-2019 somente um jogador me chama a atenção neste quesito: o zagueiro Rafael Vaz, do Goiás, que prima pela batida potente. Há algum tempo, não era assim. Se puxarmos pela memória, havia tantos cobradores precisos da bola colocada como da "patada". Rogério Ceni era letal. Assim como Ronaldinho Gaúcho, Juninho Pernambucano, Alex, Marcelinho Carioca, Roberto Carlos… E, se formos voltando no tempo, mais feras como Zico, Zenon, Nelinho, Neto, Roberto Dinamite, Rivellino, Eder Aleixo, Pelé, Pita.

Enfim, seria uma lista imensa. Qualidade não faltava. Há alguns anos, o jornal espanhol "Marca" elegeu os maiores cobradores de falta da história e Juninho Pernambucano, Roberto Carlos, Rogério Ceni e Ronaldinho Gaúcho entraram na lista, ao lado de nomes como Diego Maradona, David Beckham, Andrea Pirlo, Lionel Messi e Ronald Koeman.

Vigor x precisão

A explicação para o fenômeno passa por mudanças no processo de treinamento dos atletas e na mentalidade dos jogadores. Fundamentalmente, a maestria passa pela prática. Bons cobradores treinam. Hoje é raríssimo o jogador chegar antes ou ficar depois praticando cobranças. Por desinteresse ou por determinação da comissão técnica. Os treinos dos times são absolutamente pautados pelos diagnósticos de preparadores físicos e fisiologistas, que estão sempre atentos para evitar lesões. A repetição no treino de cobranças de falta obviamente sobrecarrega a musculatura e pode abrir caminho para lesões. Com o intuito de evitá-las, é comum a orientação para preservar-se da sobrecarga.

O preparador e fisiologista fazem o papel deles. Estão corretos. Mas para o time fica o dilema de ter atletas prontos para sobrepujar o adversário no vigor e imposição físicos, mas despreparados para aproveitar um dos lances mais agudos do jogo, que define vitórias e títulos. Para nós, amantes do bom futebol, da técnica, dá saudade de um tempo em que ao ver o especialista na cobrança de falta se preparando para a batida nos vinha aquele doce pensamento: "Dali, para ele, é pênalti".

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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