Reflexão e Fé

Modernidade e intimidade

Hugo Evandro Silveira Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril. E-mail: hugoevandro15@gmail.com

19/01/2020 | Tempo de leitura: 4 min

O medo, a ansiedade e a solidão são sentimentos comuns em nossa sociedade tecnológica. Diante desse quadro atual, temos percebido a intensificação do medo de amar e de não ser amado, do abandono, da traição, do medo da morte e do fracasso. Paradoxalmente, ao nosso ver, a mesma sociedade que se encontra em estado de solidão, medo e ansiedade tem buscado nos recursos tecnológicos a solução afetiva contra esses sentimentos danosos, mas é justamente toda essa modernidade que tem produzido esses males. A tecnologia criou "brinquedos", um lazer virtual, mas que justamente nos afastaram da presença das pessoas. Não precisamos mais de um parceiro para jogar xadrez, dominó, dama ou baralho - "pra quê pessoas?" - Afinal o computador faz tudo isso com diferentes graus de dificuldade, permitindo até que o usuário se irrite sem ofender alguém.

Com isso, os consultórios de psicólogos, terapeutas e gurus espirituais estão abarrotados de pessoas partilhando seus dilemas, lutas, desilusões, solidão. O filósofo e sociólogo francês Jacques Ellul (1912-1994) em suas últimas obras reconheceu que a sociedade moderna vinha substituindo a pessoalidade pela tecnologia. O software e o hardware substituíram as conversas, o convívio da cozinha, o contato físico. As pessoas sentem-se cada vez mais inseguras diante do outro, não sabem conversar, o que fazer, o que falar. Estamos nos tornando cada vez menos íntimos. Tentamos criar alguma forma de intimidade, não com pessoas, mas com a tecnologia, pois desaprendemos a criar vínculos com o semelhante e assim temos ficado cada vez mais sozinhos, cercados pela mais eficiente tecnologia de integração, mas solitários.

Obviamente que não podemos abrir mão da tecnologia; ela está aí, é boa e tornou a vida muito mais prática; entretanto é necessário resistir à sua intromissão em muitos aspectos da nossa realidade íntima. A vida é preciosa, complexa, mais rica em beleza, mais cheia de mistérios do que podemos imaginar. Precisamos resistir às pressões da cultura pós-moderna que reduziu a compreensão da realidade; urgentemente se faz necessário resistir às exigências da impaciência atual com sua ultra pressa "the flash" que fez desaprender a virtude da espera.

Deus nos criou, homem e mulher, à sua imagem e semelhança, noutras palavras, fomos criados por Deus para, na semelhança com ele, nos relacionarmos em vida de comunhão. Intimidade é o nome que damos para esta forma de relacionamento. Muitos tem confundido intimidade com informalidade ou ainda falta de reverência com facilidade. Acham que sentir-se à vontade é ser íntimo - não se trata disto, pelo contrário - é o caminho reverente que percorremos em direção ao outro que se abre para um relacionamento pessoal transparente, verdadeiro e íntimo. É o convite, por exemplo, que o apóstolo Paulo faz aos coríntios, quando diz: "Falamos abertamente a vocês, abrimos o nosso coração! Não estamos limitando nosso afeto, mas vocês estão limitando o afeto que têm por nós. Numa justa compensação, falo como a meus filhos, abram também o coração para nós!" (II Coríntios 6.11-13 - NTLH). Para o apóstolo, a intimidade era tornar-se verdadeiro, único, pessoal, afetuoso; Não havia qualquer coisa a esconder, não haviam limites, o coração se alargava, a boca se abria e falava. Era preciso que seus amigos o conhecessem, pois só assim seria verdadeiro, humano, cristão.

Portanto, enquanto permanecermos limitados em nossos próprios afetos, solitários, reservados, receosos, presos na tecnologia pós-moderna relacional, tornamo-nos vulneráveis aos encontros virtuais, à intimidade falsa das fantasias da ilusão da modernidade. Em seu exemplo de vida o apóstolo Paulo colocava-se como exemplo (II Co 6.4-10), ele sabia que a melhor forma de preservar-se saudável, humano, íntegro, verdadeiro e coerente era viver de forma transparente, solidária e comunitária. O apóstolo fala, expõe seus afetos, amplia o coração, não oferece resistência, nem impõe limites. Existiam até aqueles que o desprezavam, o machucavam e o desonravam, mas ainda assim ele optou pela comunhão, pela manutenção da amizade, da misericórdia e do amor. Sim, somos pessoas limitadas afetivamente e, portanto, para encontrar a cura dessa carência a Bíblia nos orienta a falar e ouvir, dar e receber, abrir o coração e encontrar outros corações abertos. Temos esses dois caminhos pela frente, o da tecnologia relacional solitária que nos prende ao medo e a ansiedade ou o da graça dos relacionamentos abertos de intimidade e afeto. Corramos para a liberdade!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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