Wagner Teodoro

Uma Copa, dois jogos

05/04/2020 | Tempo de leitura: 5 min

1994 foi significativo. Ano no qual o Plano Real foi lançado, Fernando Henrique Cardoso, eleito presidente, um fato consequência do outro; ano em que a ideia do Mercosul ganhou forma; Tom Jobim, Mussum, Kurt Cobain e Dener morreram; Nelson Mandela se tornou presidente da África do Sul; o basquete feminino do Brasil foi campeão mundial. Listo de memória alguns acontecimentos que me marcaram. Porque 1994 pode ter sido um ano a mais para muitos, mas este meu texto é subjetivo. Sim, com as competições esportivas paradas, vou entrar também na onda nostálgica e voltar 26 anos no tempo para falar de um dos dois momentos de 1994 que foram os mais impactantes para mim, um extremamente triste e outro de uma alegria inédita: a morte de Ayrton Senna e a conquista da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira. Vou ficar com o assunto feliz.

Há um consenso na crítica esportiva de que a Seleção de 1994 não foi brilhante. Eu vou falar como o torcedor de 1994, um jovem que nunca tinha visto o Brasil no topo do mundo. Não vou abordar o pragmatismo de Carlos Alberto Parreira e nem a limitação de qualquer jogador. O que vale para aquele torcedor é que o Brasil foi campeão. Descobrir o que era ver a Seleção levantando a taça. Desmistificar uma escrita que a minha geração sofria, a de sempre naufragar. Descobrimos que não precisávamos de deuses para sermos campeões da Copa do Mundo, como diziam os saudosistas. Foi um Mundial especial. E com bons jogos. Vou relembrar os dois melhores, na minha opinião.

Romênia x Argentina

A Romênia foi a sensação da Copa de 94. Encantou com um futebol muito vistoso e competitivo. É um time inesquecível para mim. A verdade é que a seleção romena chegou ao Mundial com uma geração que começou a se formar em meados da década de 80. Uma geração de ouro do país. Mas, na época, eu não sabia disso. De alguma maneira, eles passaram batido por meu radar de garoto. E, nos Estados Unidos, foram a melhor surpresa para mim na Copa. Para falar da Romênia, preciso lembrar da Colômbia. Esta, sim, me criava imensa expectativa. Um time sensacional, com Valderrama, Rincón, Asprilla… e que tinha humilhado a Argentina com uma impensável goleada de 5 a 0 nas Eliminatórias. Chegava aos Estados Unidos como uma das seleções cotadas ao título.

Pois bem, o grupo era Colômbia, Romênia, Estados Unidos e Suíça. Sentei em frente à TV para ver a estreia dos colombianos. Diante dos romenos. A expectativa era de uma boa vitória sul-americana, com futebol bonito. Mas o que eu vi me deixou estupefato. A Romênia foi a Colômbia. Envolvente, bom toque de bola, velocidade… Quem comandava o time era um meia habilidoso e letal: Hagi. E havia um centroavante loirinho extremamente perigoso: Raducioiu. Final, Romênia 3 a 1, fora o baile. Na sequência, porém, a Romênia foi goleada pela Suíça por 4 a 1 em jornada irreconhecível, mas se recuperou ganhando da chata seleção dos Estados Unidos por 2 a 1 para ficar com o primeiro lugar do grupo.

O cruzamento nas oitavas de final foi com a Argentina, que avançou em terceiro lugar em sua chave, onde houve tríplice empate em seis pontos. Uma Argentina que vinha mordida pelo afastamento de Maradona em um escândalo de doping que abalou o Mundial. Mas que tinha Batistuta, Ortega, Balbo, Redondo, Simeone… O que se viu foi espetáculo e os protagonistas Dumitresco e Hagi, que brilhou mais do que nunca. Dumitresco, mágico, abriu o placar em cobrança surpreendente de falta, praticamente sem ângulo, encobrindo o goleiro. Batistuta empatou batendo pênalti. Dumitresco fez o segundo gol romeno em jogada toda de Hagi, que deu passe rasgando a defesa argentina para um toque de categoria do companheiro rumo ao gol. Encanto. No segundo tempo, uma pintura. Dumitresco avança pelo meio e encontra Hagi na direita, em jogada que lembra o passe de Pelé para Carlos Alberto Torres na final da Copa de 1970: 3 a 1. A Argentina descontou com Balbo, na raça, pegando rebote do goleiro romeno, e houve drama e luta até o final. Era mais do que eu poderia esperar. O tipo de jogo que termina e segue conosco por muito tempo. Está comigo até hoje. Agora só faltava o Brasil ganhar a Copa.

Brasil x Holanda

O Brasil, sempre contestado, vinha de uma primeira fase apenas razoável, vitórias sobre Rússia e Camarões e empate com a Suécia, seleção que reencontraríamos nas semifinais. Nas oitavas, a mesma encrespada seleção dos Estados Unidos, em um 4 de julho, com expulsão de Leonardo, caiu por um magro 1 a 0. Nas quartas, a Holanda pela frente. A Holanda que havia eliminado o Brasil em 1974. A Holanda, um forte time com Bergkamp, Koeman, Overmars, Rijkaard e companhia. Mas este foi o jogo da verdadeira afirmação, da arrancada para o sonhado título, em uma época na qual havia imensa identificação da Seleção com o povo brasileiro.

O Brasil de azul, bom presságio. Após uma primeira etapa de algumas chances, o que veio a seguir foi um segundo tempo épico. Lançamento de Aldair para Bebeto, que cruza e Romário, de primeira, na passada certa, abre o placar. Muita qualidade. Poucos minutos depois, Bebeto entra pelo meio da defesa holandesa, deixando todos para trás, passa pelo goleiro, e sai celebrando em uma das comemorações mais marcantes de todos os tempos, “embalando seu filho” que iria nascer no ritmo da vantagem brasileira.

Mas tão rápido quanto o Brasil fez 2 a 0, veio o empate da Holanda, com Bergkamp levando a melhor sobre a marcação brasileira na área e em cabeçada de Winter, após escanteio. Todos os traumas de eliminações anteriores voltaram imediatamente. E era a Holanda, a do “Carrossel”. A temível Holanda. Muita tensão e sofrimento. Foram os 90 minutos nos quais mais sofri naquela Copa. Nem mesmo o tempo regulamentar da final foi tão nervoso. A prorrogação e as penalidades, sim. Coube a um herói inesperado o alívio. Branco, que era reserva e só havia entrado no time, porque Leonardo estava suspenso. Branco, já veterano. Branco, que escreveu ali o grande momento de sua carreira. Em uma arrancada pela esquerda, o lateral sofreu a falta praticamente frontal à área. E ele mesmo bateu. Forte como sempre, uma trajetória que encontrou Romário no caminho. Mas o Baixinho, iluminado, tira o corpo milimetricamente para a bola, que ainda tocaria no pé da trave, seguir para dar a vitória ao Brasil. Um Brasil fortalecido que voltaria a ser campeão mundial. Que jogo! Que triunfo perpétuo! Inesquecível.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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