Reflexão e Fé

Oportunidade por trás da tragédia

Hugo Evandro Silveira Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril. E-mail: hugoevandro15@gmail.com

19/04/2020 | Tempo de leitura: 4 min

A nossa sociedade pós moderna vem acreditando que os números e o lucro é tudo na vida. Essa sociedade do individualismo, da vaidade, do orgulho, da ostentação, da agressividade, de que 'sou o centro do universo', onde todos devem me servir — essa geração que só se importa com a matéria e que ridiculariza e marginaliza a espiritualidade, está fadada a falência. A tragédia do Coronavírus nos assusta, obviamente é algo ruim, contudo, se servir para reduzir a nossa ambição e nos reconduzir ao valor da família, do altruísmo, da compaixão, do amor, do perdão, do retorno a Deus o criador, já valera a pena — apesar do alto custo das vidas que se foram; uma perda imensurável.

É verdade que diante dessa crise o mundo entrou em pavor, depressão, desespero, medo da morte e etc, com isso não são poucos os que passaram a enxergar a beleza e o valor da vida na simplicidade, na singeleza da família reunida em torno de um café com pão, na reciprocidade do amor, no tempo da oração a Deus agradecendo pela oportunidade da vida e rogando por proteção e sustento.

Aqueles que até então valorizavam mais o tempo da rua do que o convívio do lar, aqueles que terceirizavam a educação dos filhos por nãos saberem e não terem paciência de ficar com eles, estão tendo a maravilhosa oportunidade de reaprender. Chegou a hora de refletir e aprender como viver, de repensar qual tipo de vida queremos construir, de que mundo queremos deixar aos nossos filhos e netos. Vinhamos numa toada maluca, desiquilibrada de egocentrismo desgovernado; nossas crianças e adolescentes em nome de um "amor líquido" estavam entregues ao deus-dará, experimentando a sexualidade antes do tempo adequado, entregues ao vício do vídeo game por horas, estavam experimentando bebida alcoólica e drogas, frente a inércia de pais perdidos; muitos adolescentes estavam cometendo automutilação, falando de morte, e até suicidando-se. E agora, finalmente, temos a oportunidade de pisar no freio diante dessa tragédia viral; a oportunidade de parar e reestartar. Sim, urgentemente precisamos trabalhar, mas no retorno, que possamos ter a sabedoria de não mais sermos como aqueles reis do egoísmo vivendo no teatro dos aflitos. Será que aprenderemos?

"Não há nada de novo debaixo do sol" (Eclesiastes 1.9). Recebi de um amigo a seguinte conclusão: "sabemos muito, mudamos pouco e esquecemos mais rápido ainda. Voltamos sempre as velhas práticas". Realmente não há nada de novo na terra e a sociedade simplesmente não aprende. Na tragédia da gripe espanhola onde 50 milhões de pessoas morreram no mundo, a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro publicou em outubro de 1918 que os coveiros estavam acamados ou haviam morrido e a polícia teve que sair capturando homens robustos a serem forçados a abrir covas e sepultar os cadáveres. Os mortos eram tantos que não haviam caixões suficientes, então os corpos eram despejados em valas coletivas durante a madrugada adentro. Realmente a vida se repete: "Em setembro de 1918, sem saber que trazia o vírus da gripe espanhola, o transatlântico Demerara desembarcou passageiros infectados no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro". Até o reeleito presidente da República, Rodrigues Alves, caiu de cama 'espanholado' e não tomou posse, vindo a morrer em janeiro de 1919 — "Todas as classes, desde os humildes até aqueles que gozam do maior conforto foram atingidos pelo flagelo universal". Os hospitais ficaram abarrotados; as escolas mandaram os alunos para casa; os bondes ficaram vazios; das alfaiatarias às quitandas, das lojas de tecido às barbearias, todo o comércio baixou as portas, as igrejas fecharam, as pessoas tiveram que ficar presas em casa — à exceção das farmácias, onde os fregueses disputam a tapa pílulas e tônicos que prometiam curar as vítimas da doença mortal. Nos subúrbios as ruas ficaram cheias de cadáveres porque as famílias tinham medo de serem infectadas pelos mortos dentro de casa. Os jornais anunciavam remédios milagrosos para a cura da pandemia, desde água tônica de Quinino, a balas à base de ervas, de purgantes a fórmulas com canela. A procura foi tão grande que as farmácias se aproveitaram para elevar os preços às alturas. O governo teve que intervir no preço dos remédios. Chegaram a criar um remédio caseiro a base da cachaça, limão e mel — de acordo com o instituto brasileiro da cachaça, foi dessa receita supostamente terapêutica que nasceu a Caipirinha. Inclusive, na pesquisa de Ricardo Westin, da Agência Senado foi a gripe espanhola que plantou a semente do Ministério da Saúde, que surgiria definitivamente em 1930. Será que dessa vez aprenderemos?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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