Wagner Teodoro

Limitar para crescer

24/05/2020 | Tempo de leitura: 3 min

A notícia que mais chamou minha atenção durante a semana no mundo do futebol, ou na ausência dele, foi a proposta do presidente da Federação Alemã, Fritz Keller, de se instituir um limite salarial e para transferências na modalidade. A ideia nem é nova, mas vem em um momento bem a propósito em meio à pandemia de coronavírus e não poderia partir de um lugar mais apropriado. Na Alemanha existe um forte movimento de torcidas contra o fim do "futebol raiz". Protestos nos estádios, chegando a paralisar jogos, se tornaram comuns, com torcedores por vezes hostilizando clubes que contam com proprietários-mecenas endinheirados ou foram adquiridos por grupos empresariais. Chamo a atenção para o movimento, claro que qualquer tipo de violênca é condenável. O clube que foi alvo mais recente das críticas é o Hoffenheim, propriedade do bilionário Dietmar Hopp. Mas o RB Leipzig também não foi muito bem recebido quando adquirido pela Red Bull. O mote das reclamações, que se voltam também para a federação local, é a comercialização do futebol.

Se a ideia de um teto não é original, não poderia haver momento mais propício para se discuti-la de maneira séria. Sim, porque não trata-se de nenhum disparate avaliar a possibilidade. Tomara que seja pelo menos considerada. Atualmente, muito se fala em novos parâmetros, mudanças na sociedade com a pandemia, e o futebol tem realmente em toda a crise que a Covid-19 causou uma espécie de divisor de águas, se assim o quiser. Keller lembrou que valores astronômicos estão envolvidos em negociações e salários no mundo do futebol. E pediu ainda reforma nas regras do "fair play financeiro". Observação lógica, o "fair play" é burlado a todo momento e de todas as maneiras possíveis. Um mecanismo que tem alcance absolutamente limitado e é ineficiente.

Exemplos bem-sucedidos

Sempre que se discute limitação de valores no futebol, surge o argumento da incompatibilidade de um teto com o modelo de negócio ou regras da competição. Para isso, se houver vontade e decisão, existem ajustes. O certo é o que a "era pós-Covid-19" pode exigir mais do que mudanças momentâneas nas regras. Aumentar substituições mexe com o futebol apenas dentro de campo. Alterar padrões de negociações e relações comerciais transformaria a estrutura da modalidade de maneira profunda. Qualquer pretexto para postergar modificações com base no "modelo de negócio" cai por terra quando analisamos que modalidades e ligas incrivelmente bem-sucedidas adotam limites. A NBA é um exemplo. Há um teto e as franquias pagam taxas se o ultrapassam. Existem regras rígidas de valores. E a liga é um sucesso técnico e financeiro global. A Fórmula 1 também adota um limite orçamentário e segue como categoria mais importante e relevante do automobilismo mundial. Os times da MLS, liga de futebol dos Estados Unidos, também têm um teto de gastos e um dispositivo que permite algumas contratações fora deste limite. É um modelo interessante, com grande êxito financeiro e de gestão.

Sem prejuízo da qualidade

Voltando à sugestão do presidente da Federação Alemã, limites poderiam trazer mais competitividade ao futebol sem prejuízo da qualidade do espetáculo. Pelo contrário, no médio prazo, a tendência seria de elencos qualificados, mais qualidade em campo. Porém, um limite nos negócios do futebol implica romper com estruturas viciadas da modalidade. O futebol movimenta um volume inacreditável de dinheiro e a corrupção está completamente entranhada neste sistema. Lavagem de dinheiro, desvio, sonegação fiscal… Enfim, o noticiário nos dá uma ideia daquilo que deve ser a ponta do iceberg. Mas a crise financeira pós-coronavírus só vai evidenciar a necessidade de reformas. A proposta de Keller será levada à Uefa, principal mercado. Se aprovada, certamente influenciaria o futebol de todo o mundo em um movimento neste sentido. Seria um avanço. Se eu acredito? Sinceramente, não. Mas eu torço. Ah, torço e muito.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Receba as notícias mais relevantes de Bauru e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.