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Entre cinismo e pessimismo

Daniel Pestana Mota
| Tempo de leitura: 3 min

Qualquer pessoa coerente, cujo amadurecimento pessoal tenha se dado sob bases minimamente seguras, hoje está a assistir a divisão da sociedade em dois grandes grupos: os cínicos e os pessimistas! Obviamente que entre ambos circula um outro grupo, mas bem reduzido, de otimistas, qualidade que a cada dia fica mais difícil de se fazer presente. Na verdade, para ser otimista, hoje, haveria de existir uma dada condição ainda ausente, uma base concreta que mesmo pequena pudesse servir de trampolim para saltos mais sólidos e duradouros num futuro imediato. Uns dizem, e estes são os otimistas, que períodos de crise extrema, como o que estamos vivendo, podem ser o prenúncio de uma mudança radical de condutas.

Dizem isso, a maioria deste pequeno grupo, ainda na condição de expectadores. Alguns argumentos pecam, penso eu, por um bom tanto de simplismo: haveria de se chegar ao máximo dos extremos para que uma nova sociabilidade, como que num passe de mágica, viesse a substituir as decadentes formas de convívio que desprezam o futuro, ignoram o passado (com seus equívocos) e fazem do presente um grande palco de distrações. Enquanto os otimistas enxergam pequenas brechas (que não se abrem!) e os pessimistas se preparam (experimentando o aumento de situações de pânico, depressão e ansiedade) para um futuro próximo cada vez mais apocalíptico, os cínicos parecem constituir parcela da sociedade não apenas imune à realidade; emergem como a grande força coesa e homogênea, que além de tudo aprendem, diariamente, como podem ser eficientes saindo do armário!

Não conseguir perceber senão seu próprio mundo, com desprezo inconsciente ao entorno, são manifestações de egoísmo que tem na infância o espaço natural de ser experienciado. Passada esta fase, o egoísmo tem potencial para se tornar doença social, a omissão se transforma em ação predatória, consciente e muitas vezes calculada. Seria arriscado dizer experimentarmos, ao menos no Brasil, uma epidemia de cinismo? A mim parece não haver exagero algum nesta afirmativa.

O desafio é unir pessimistas e otimistas, tarefa que pode ser inviabilizada senão por meio de um novo desenho nos processos de aprendizagem. Muito se comemora o advento da inteligência artificial, da robótica e de outras conquistas que um pensar acelerado tem possibilitado à humanidade usufruir. Na mesma velocidade, valores humanos básicos tem sido desprezados como ideal a ser consolidado nos processos de aprendizagem.

Investe-se na evolução de uma super inteligência com indisfarçável intensidade; asfixiam-se, por outro lado, modelos de sociabilidade cujas bases principais tenham na coerência e na razoabilidade as ferramentas para se chegar a um mundo mais fraterno e menos competitivo, única maneira de se garantir um ambiente sustentável, associativo e inclusivo. O tempo desta mudança pode ser o tempo de uma geração.

Tempo este que o próprio planeta talvez não tenha como aguardar. Talvez seja preciso que o cinismo seja tratado mesmo como doença, que o pessimismo seja superado enquanto inércia e que se junte, aproveitando-se da compreensão que faz da realidade, à disposição dos otimistas. E tudo isso compondo um novo enredo, parte central dos processos de aprendizagem direcionado às crianças depois da primeira infância.

Ou nos damos conta disso, agora, ou continuaremos a sobreviver, sem saber até quando e a que custo, numa sociedade cada vez mais adoecida, repleta de cínicos e pessimistas.

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