Conversando com o Bispo

Matar algo em si mesmo

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21/06/2020 | Tempo de leitura: 3 min
Dom SevilhaBispo Diocesano de Bauru

Mortificação é uma palavra de origem latina (morte facere) que significa fazer morrer ou matar algum mal que quer habitar o nosso coração. Essa palavra foi muito usada, durante séculos, na literatura espiritual cristã. Atualmente, tanto a palavra mortificação quanto a sua prática estão em desuso.

Aqui está uma das causas da gritante e crescente fragilidade, moleza e covardia do homem moderno. O jovem universitário, atlético e arrogante na balada do sábado à noite, deve ser acompanhado pela mãe para ir ao dentista na segunda feira. O jovem não aceita mortificar-se ou ser mortificado. Quando chega a inevitável tempestade do sofrimento, ele se desespera.

Como na poda de uma planta, devemos também "matar" alguns ramos inúteis e inférteis que querem sugar a vitalidade da nossa alma. Para podermos viver com saúde espiritual é preciso matar as ervas daninhas e espinheiros que constantemente querem crescer em nosso coração.

É preciso mortificar o orgulho que, em todas as idades, quer nascer e crescer em nossa vida. Não é fácil matar o narcisismo, o egoísmo, a ambição, a vaidade, pois a nossa cultura, ao invés de desprezá-las e mortificá-las, pelo contrário e absurdamente, as exalta e aplaude como se fossem coisas boas.

O desconhecimento das virtudes é tamanho que, hoje, confundimos coragem com arrogância, competência com vaidade, objetivos nobres com ambição, valores verdadeiros com orgulho, dignidade com narcisismo. Até a fé está sendo usada como placebo psicológico ou, pior ainda, na famigerada teologia da prosperidade, como meio para enriquecer.

É preciso podar a alma. Jesus disse que "todo ramo que não dá fruto em mim, o Pai o corta. Mas os ramos que dão fruto, ele os poda, para que deem mais fruto ainda" (Jo 15,2). Para que a alma mantenha sua saúde e vigor espirituais é preciso vigiar e orar constantemente, podando o mal que nela quer se aninhar e enfraquecê-la. É preciso mortificar o orgulho que nasce no coração e que se materializa nos pensamentos, nas palavras, nos atos e omissões. O remédio amargo que mata o verme do orgulho é a humilhação. Talvez, a palavra que hoje mais se aproxima do termo humildade seja a resiliência.

O orgulho veste-se com várias camadas de couraças: narcisismo, individualismo, vaidade, intolerância, agressividade, impaciência, arrogância etc. Haja mortificação para arrancar cada uma dessas camadas e matá-las e estar em contínua vigilância pois elas, como a erva daninha, renascem continuamente. O homem moderno é vítima de um ingênuo "espontaneísmo". Ele acredita que pode ter uma alma feliz sem fazer esforço algum, sem fazer renúncias, sem mortificar-se. Ele acredita nas propagandas enganosas que prometem aprender inglês sem esforço, tocar violão sem esforço, emagrecer sem esforço.

Muitos querem também um cristianismo sem esforço, isto é, querem um Cristo sem cruz. Eles até têm o saudável desejo de serem santos, querem ser bons cristãos, são cheios de boas intenções, mas desejam que tudo aconteça de maneira fácil, espontânea e milagrosa. Eles esperam e cobram de Deus muitos milagres. Imagino que Deus deva rir da nossa ingênua esperteza e, novamente, cheio de ternura e firmeza paterna nos dizer através do seu Filho: "Se alguém quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a própria vida, a perderá; mas quem perder a própria vida por causa de mim, a encontrará" (Mt 16, 24). Seja feliz.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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