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O trabalho de Sísifo

Osmar Cavassan
| Tempo de leitura: 3 min

Sísifo é um personagem da mitologia grega que foi condenado a empurrar eternamente uma pedra de mármore até o topo de uma montanha e, em seguida, deixava-a rolar até a base. Atualmente, a expressão "o trabalho de Sísifo" refere-se a esforços longos e repetitivos, porém, fadados ao fracasso. Popularmente, poderia ser comparado ao trabalho de enxugar gelo. Como em todo período de final de primavera, verão e início de outono, no Interior do Estado de São Paulo, é comum intensos aguaceiros. As consequências de tais eventos meteorológicos são logo divulgadas, tais como inundações, buracos causados pela erosão provocada pelas enxurradas, quedas de árvores e outros transtornos.

Em Bauru já é quase tradição as inundações em algumas regiões, em especial na porção baixa da Avenida Nações Unidas. Em quase todas as ocasiões, a camada de asfalto é levada, provocando interrupção do trânsito enquanto são providenciados reparos.

Na Avenida Comendador da Silva Martha, o canteiro central é erodido, muitas vezes comprometendo as sarjetas e parte do asfalto. O que é feito nesse caso. A Secretaria de Obras tapa os buracos com terra, desta "capital da terra branca", ou seja, areia.

Tanto a camada de asfalto da Avenida Nações Unidas como a areia colocada para tapar os buracos permanecerão lá até o próximo aguaceiro. A intensidade de chuvas, por mais que se propague a possibilidade de mudanças climáticas, é muito semelhante a que vem acontecendo há dezenas de anos. Mas, por que as consequências de tais aguaceiros parecem mais catastróficas? Em sua estrutura original, os rios mantinham a mata ciliar nas várzeas. Várzeas são áreas marginais do leito dos rios, inundadas periodicamente. Associadas às várzeas, tinham as lagoas marginais, que durante as cheias recebiam o excesso de água, reduzindo o impacto das enchentes. As matas à montante dos vales dos rios absorviam o excesso de água, reduzindo o volume à jusante.

Hoje as várzeas estão ocupadas por casas, avenidas e, muitas vezes, depósitos de entulhos. No caso da Avenida Nações Unidas, o Ribeirão das Flores, cuja nascente está na altura do Parque Vitória Régia, flui em tubulações subdimensionadas sob a Avenida. Em quase todos os rios urbanos do Brasil, a vegetação das várzeas e lagoas marginais não existem mais. Por isso, durante aguaceiros, invadirão a pista, moradias, estabelecimentos comerciais, arrastarão veículos e oremos para que não provoque mais vítimas fatais.

É muito difícil restabelecer os serviços ecossistêmicos oferecidos pelas matas ciliares, mas algumas medidas poderão ser executadas para reduzir riscos.

No caso da Avenida Nações Unidas, criar dispositivos para retenção de água a montante, os chamados piscinões. Desenvolver programas de retenção de água da chuva em cisternas domésticas. Aumentar a dimensão da tubulação do Ribeirão das Flores. Ainda, se existir vontade política e compromisso com o futuro da cidade, tornar o fluxo do Ribeirão a céu aberto. Senão, admitir que teremos de conviver com o "trabalho de Sísifo", tapando buracos, reconstruindo o asfalto e lamentando os prejuízos ou chorando as vidas perdidas, até o próximo aguaceiro.

O autor é professor universitário, mestre em Ciências Biológicas e doutor em Ecologia.

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