A eleição de Donald Trump é a ponta do iceberg de um fenômeno alarmante na política contemporânea: a fusão do poder político com o controle da mídia digital, estratégia em exercício de Elon Musk. Ao adquirir o X (antigo Twitter), Musk assumiu o controle de uma das maiores plataformas de comunicação do mundo, criando um canal direto para influenciar a opinião pública sem a intervenção de filtros jornalísticos ou controles editoriais tradicionais. Esse novo arranjo entre o chefe de uma nação e o dono de uma rede global marca um ponto de inflexão e levanta uma questão essencial: o que acontece com a democracia quando o poder político e o poder informacional se entrelaçam tão estreitamente?
No passado, magnatas da mídia como William Randolph Hearst e Rupert Murdoch exerceram grande influência sobre a política americana e global. Hearst, com seus jornais, moldou a opinião pública e, de acordo com alguns críticos, até impulsionou conflitos. Murdoch, com suas redes de televisão e jornais, deu voz a uma agenda conservadora que impactou eleições e políticas públicas. No entanto, ambos operavam em um modelo de mídia onde havia uma separação entre os veículos de comunicação e o controle direto sobre o fluxo de informação. Suas influências eram poderosas, mas ainda passavam pelo crivo de editores, jornalistas e uma audiência que consumia informações por meio de veículos com responsabilidades editoriais claras.
Elon Musk, ao contrário, detém um poder mais imediato e abrangente. A plataforma que ele controla não é um jornal com reportagens investigativas ou editoriais; é um espaço onde a informação circula em tempo real, amplificada ou abafada de acordo com algoritmos que ele mesmo determina. Musk controla o X não apenas como dono, mas como arquiteto dos processos invisíveis que definem o alcance das mensagens. Nesse modelo, ele tem a capacidade de impulsionar certos discursos, marginalizar outros e moldar as percepções de milhões de pessoas em segundos. O alcance desse controle é algo sem precedentes na história, porque transcende a influência editorial e entra na estrutura técnica da própria comunicação.
A relação entre Musk e Trump exacerba essa situação. Enquanto os magnatas do passado mantinham uma certa distância das administrações em exercício, Musk atua como um aliado direto, promovendo um ambiente onde conteúdos desinformativos e polarizadores encontram pouca ou nenhuma resistência. O X, sob sua liderança, se transformou em um terreno propício para o discurso extremista e para a promoção de narrativas que beneficiam diretamente a imagem de Trump, contornando a imprensa tradicional e estabelecendo uma via de comunicação direta com uma audiência massiva e engajada.
Essa nova realidade representa um perigo concreto para o modelo democrático. A ideia de uma “liberdade de expressão” absoluta, promovida por Musk, mascara um controle seletivo, onde o que realmente se destaca é o que ele ou seus interesses determinam. Ao descentralizar a mediação da informação, Musk transfere a responsabilidade de curadoria ao próprio público, um público que, muitas vezes, carece dos instrumentos necessários para distinguir fatos de manipulação. A consequência disso é uma fragmentação do entendimento coletivo, onde a verdade se torna relativa e qualquer opinião, por mais absurda, pode alcançar proporções virais.
Esse arranjo abre caminho para um tipo de controle de massas que vai além da propaganda tradicional. A era digital permite que narrativas sejam plantadas, cultivadas e colhidas em questão de minutos, moldando o debate público e influenciando decisões políticas antes que qualquer análise crítica possa ser feita. O perigo desse modelo não está apenas na manipulação de uma eleição específica, mas na criação de um ambiente onde a verdade é continuamente maleável, suscetível às vontades de um número reduzido de indivíduos que controlam as plataformas digitais.
Para além dos Estados Unidos, o impacto dessa aliança entre poder político e controle de plataformas digitais configura um risco global. Governos ao redor do mundo observam com atenção essa relação e as possibilidades que ela abre para a contenção e manipulação da opinião pública. A própria arquitetura das redes sociais, ao priorizar o engajamento em vez da precisão, cria um cenário onde regimes autoritários ou candidatos populistas podem se beneficiar da viralidade de informações falsas ou inflamadas.
A arma que Elon Musk apresenta com o X é muito mais letal que qualquer estratégia de compra de voto para uma disputa eleitoral; é um teste sobre o futuro da liberdade e da autonomia da informação em uma sociedade que sempre se orgulhou de seu compromisso com a verdade.
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