O enredo é conhecidíssimo, sem nenhuma chance de premiação por arte, mas garante uma boa hora de relax curtindo o momento “sessão da tarde”. Isso na visão mais simplista. Mas se quisermos, é possível discutir os vários gatilhos disparados de forma subliminar (ou não).

A primeira questão que se discute é o preconceito escancarado e exacerbado da sociedade contra mulheres mais velhas que se relacionam com homens mais novos. Há contra elas todo tipo de discurso com violência enquanto o inverso é aceito facilmente. 

Não é preciso olhar fora do nosso círculo social para testemunhar senhores que trocam suas esposas de décadas por “parceiras -troféus”, mocinhas com idade para serem suas filhas ou netas que eles exibem como símbolos de virilidade, quando todo mundo sabe que é o contrário.

É por conta dessa sociedade patriarcal e machista que muitas mulheres, como Solène, não conseguem vivenciar a felicidade. Elas se sentem culpadas por estarem experimentando os melhores momentos das suas vidas ao estilo “que seja eterno enquanto dure”.

Há uma cena em que Solène se prepara para ir à piscina, escolhe o biquini e ao ver as namoradas jovens dos outros rapazes da banda, coloca um maiô comportadíssimo e se esconde numa saída de banho que mais parece uma burca. Ora, as leis da física são implacáveis. Um corpo de 40 anos nunca será como um de 20, mas quando o homem mais novo aceita e ama esse corpo mais velho, por que a própria mulher não pode fazê-lo? 

Porque foi embutido nela, pela sociedade machista, o mito da beleza, aquele que coloca nossos corpos em padrões estéticos inalcançáveis para que sempre estejamos inseguras com o que somos. Solène demora para entender isso. E há mulheres que não entendem isso numa vida inteira, infelizmente.

Outra questão importante levantada pelo filme é quão cruel as redes sociais podem ser com as pessoas. Hayes, Solène e a filha dela são atacados de tal forma que as duas mulheres, as mais atingidas, não sabem lidar com tantos discursos de ódio vindos de homens e mulheres, de todas as idades (mas especialmente de jovens, que perderam o pop star para uma mulher mais velha). 

Os xingamentos, as acusações, as ameaças a que as personagens do filme e todos nós estamos expostos no mundo digital assustam demais porque os criminosos não são punidos nem rapidamente nem exemplarmente, o que também desperta a atenção do filme para esse debate.

Assim, “Uma ideia de você” pode ser apenas mais um filme de domingo para descontrair, ou um start para fazer pensar sobre relacionamentos humanos e sociedades hipócritas. 

Ayne Regina Gonçalves Salviano tem graduação em Jornalismo e Marketing Digital, é mestre em Comunicação e Semiótica, especialista em Didática do Ensino Superior com MBA em Gestão.