Justiça

Reeducando faz tatuagem, perde benefício e terá que voltar ao regime fechado de prisão

Por Lauro Sampaio | Da Redação/Folha Da Região
| Tempo de leitura: 5 min
Divulgação/TJ-SP
Sede do Tribunal de Justiça de São Paulo
Sede do Tribunal de Justiça de São Paulo

A Justiça de Araçatuba tirou de um reeducando o benefício ao regime semiaberto por ele ter feito tatuagens e dessa forma cometido uma infração interpretada como falta disciplinar dentro do ambiente prisional. Com o entendimento, Willian dos Santos Silva, que chegou a ter concedido o direito à liberdade condicional – suspenso 48 horas depois – , terá que retornar ao regime fechado.

O caso foi alvo de um pedido liminar de habeas corpus do advogado do reeducando, Luis Henrique Sousa dos Santos, que teve negado o seu pedido pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP). A decisão foi publicada nesta terça-feira, 7, pelo Diário de Justiça Eletrônico.

Na petição, o advogado alega que Willian sofreu “constrangimento ilegal por ato do juiz de Direito da Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal da comarca de Araçatuba”.

De acordo com a petição, o reeducando foi beneficiado com o livramento condicional no dia 4 de abril do ano passado, mas dois dias depois o benefício foi sustado em razão da notícia da existência de procedimento disciplinar investigatório.

“A sindicância interna para apurar eventuais novas tatuagens confeccionadas pelo paciente não é motivo para sustar o livramento condicional e o regime semiaberto”, consta na argumentação do advogado do preso. “O fato não constitui falta disciplinar de natureza grave. Requer seja determinada a imediata remoção do paciente ao regime aberto ou que seja mantida a decisão que concedeu o livramento condicional", complementa a defesa do reeducando.

Por sua vez, o Tribunal de Justiça se manifestou contrário ao pleito do advogado do réu, sob a justificativa de que a  ordem deve ser indeferida liminarmente.

"O entendimento desta Colenda Câmara, já externado em vários julgados, é no sentido de não conhecer de habeas corpus que tenha por fundamento o conhecimento ou a desconstituição de decisão de competência do Juízo das Execuções Criminais. Não só porque existe em face de tal decisão o recurso específico, mas, principalmente, porque a Lei das Execuções Penais exige aprofundado exame também de questões de fato, que não pode ser feito nos estreitos limites do mandamus (ordem judicial de teor semelhante)”, consta na decisão do desembargador William Campos.

“Na verdade, o habeas corpus não é nem deve ser substituto do agravo em execução. Neste sentido: Habeas Corpus com pedido liminar. Pleito de progressão de regime e livramento condicional. O remédio heroico não se presta acelerar feitos, verificar o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de benefícios prisionais ou guerrear as decisões proferidas no curso da execução penal, salvo quando a ilegalidade é patente, ou teratológica, o que não ocorre no presente caso”, continua o desembargador.

A matéria, finaliza o membro do TJ, “caso já tenha sido analisada pelo Juízo de origem, deve ser reapreciada em grau de recurso pelo próprio Tribunal de Justiça, mas em sede de Agravo em Execução. Indefere-se liminarmente".

O TJ-SP também citou que o próprio  Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tratou do tema, sob a alegação de que o Habeas Corpus é meio impróprio para a obtenção de benefícios relativos à execução da reprimenda, “tendo em vista a incabível dilação probatória que se faria necessária ao exame da presença dos requisitos exigidos para a concessão das benesses legais”.

Na tarde desta terça-feira, 7, a reportagem tentou falar com o advogado Luis Henrique de Sousa Santos para saber se ele entrará com algum novo recurso, mas seu telefone celular estava desligado. A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça também foi procurada e mandou apenas o link da decisão, sem adentrar em comentários.

Tema é contraverso

Reportagem publicada pelo portal Consultor Jurídico (Conjur) em setembro de 2021 mostra o quanto o tema que envolve um reeducando de Araçatuba é contraverso. Isso porque não há um consenso sobre a interpretação de que detentos que fazem tatuagens no ambiente prisional cometeram falta disciplinar grave.

A questão tem gerado divergências entre as Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo e não está pacificada na Corte paulista.

Um levantamento do Centro de Apoio da Seção de Direito Criminal do TJ-SP, com julgamentos de novembro de 2020 a abril de 2021, mostrou dez decisões em que a confecção da tatuagem foi entendida como conduta atípica e outras sete em que se considerou conduta típica.

Dos 17 casos analisados, em quatro não havia informações sobre o tatuador, em oito o detento fez a tatuagem em si próprio, e em cinco a tatuagem foi confeccionada por outro preso (sendo que em quatro desses o tatuador já havia sido transferido a outra unidade prisional).

Um dos casos citados pelo Conjur tramitou na 2ª Câmara de Direito Criminal, que reformou decisão do juízo de Execução Penal, o qual havia reconhecido a prática de falta grave por um detento.

Para o relator, desembargador Luiz Fernando Vaggione, a diretoria do presídio não tem competência legislativa para criar novas faltas disciplinares graves.

De acordo com Vaggione, a confecção de tatuagem na prisão configura conduta atípica, pois não se adequa à infração disciplinar de natureza grave prevista no artigo 50, inciso VI, e no artigo 39, incisos II e V, ambos da Lei de Execução Penal.

"A conduta praticada pelo reeducando (fazer tatuagem em si no interior de estabelecimento prisional) não configura inexecução das ordens recebidas ou desobediência a servidor, tampouco encontra expressa previsão em qualquer outra hipótese legal de falta disciplinar de natureza grave”.

Com entendimento diferente, a 6ª Câmara de Direito Criminal validou a falta disciplinar aplicada a um detento por fazer uma tatuagem. "O sentenciado desobedeceu a ordens no presídio, ao tatuar seu corpo. Tal conduta deve ser punida, não podendo o Estado permitir que tais práticas sejam comuns dentro dos presídios que sequer possuem condições sanitárias adequadas", disse o relator, desembargador Marcos Corrêa.

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