06 de outubro de 2024
REPROVAÇÃO

Academia de Letras diz que retirada de livro de escola é censura

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 3 min
Repórter Especial
Reprodução / Estadão
Flávia Martins ao lado do livro “Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas”, recolhido em São José

A Academia Joseense de Letras classificou como “censura” a decisão da Prefeitura de São José dos Campos de recolher o livro “Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas”, da juíza Flávia Martins de Carvalho, das salas de leitura da rede municipal. A medida foi tomada nesta quarta-feira (12) após um pedido do vereador Thomaz Henrique (PL).

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“A Academia Joseense de Letras expressa sua mais profunda consternação e veemente reprovação diante da recente decisão de censurar obras literárias nas instituições de ensino municipais”, diz a nota da entidade.

“Tal ação representa uma afronta direta aos princípios fundamentais de liberdade de expressão e ao direito à educação, pilares imprescindíveis para o desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática.”

O livro foi recolhido das salas de leitura da rede municipal e, conforme informou a prefeitura, será “reavaliado pela equipe técnica da Secretaria de Educação e Cidadania”. O motivo da reavaliação não foi informado.

Lançada em julho de 2022, a obra conta a história de 20 pesquisadoras que alcançaram posições de destaque. Assim como a autora, a maioria das mulheres mencionadas são negras e brasileiras, entre elas a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em março de 2018, e a antropóloga Débora Diniz.

Mestre em Direito e doutoranda em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP (Universidade de São Paulo), Flávia Martins é juíza de direito no Tribunal de Justiça de São Paulo e juíza auxiliar no STF (Supremo Tribunal Federal), considerada a única magistrada negra na Suprema Corte do país.

Na avaliação da Academia Joseense de Letras, a supressão de livros que tratam de temas cruciais como igualdade de gênero, diversidade e empoderamento feminino configura uma “tentativa inaceitável de silenciar vozes essenciais e restringir o acesso ao conhecimento”.

Para justificar o pedido de recolhimento do livro, o vereador Thomaz Henrique disse que a obra faz “apologia ao aborto” para crianças e adolescentes da rede municipal de ensino. Ele criticou a obra durante sessão da Câmara de São José, na última terça-feira (11).

“O livro traz, além da figura da ex-vereadora Marielle Franco, em clara doutrinação ideológica, também a apologia ao aborto, ao retratar a sra. Débora Diniz, notadamente uma das maiores defensoras da legalização e descriminalização do aborto no Brasil”, diz trecho do ofício do parlamentar enviado à Prefeitura de São José.

FORMAÇÃO.

Para a Academia Joseense de Letras, a literatura é um instrumento “vital para a formação de cidadãos críticos e conscientes, aptos a compreender e valorizar a pluralidade em todas as suas manifestações”.

Nesse contexto, a censura de livros “conduz ao empobrecimento cultural e intelectual da sociedade, além de obstruir o desenvolvimento pleno de nossos jovens”.

“O ambiente escolar deve ser um espaço dedicado ao aprendizado, à reflexão e ao debate, onde múltiplas perspectivas possam ser apresentadas e discutidas de maneira aberta e respeitosa.”

“Reafirmamos a necessidade imperiosa de assegurar o acesso irrestrito à literatura e ao conhecimento em nossas escolas, promovendo uma educação inclusiva e pluralista. A retirada de livros das salas de leitura representa um retrocesso inadmissível, incompatível com os valores democráticos e humanistas que prezamos e defendemos”, afirma a instituição.