De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, as casas de 15 metros quadrados construídas pela Prefeitura de Campinas violam a dignidade humana, em razão do tamanho insuficiente para garantir uma moradia adequada a famílias em situação de vulnerabilidade social.
O projeto também não atende a princípios constitucionais e nem a diretrizes da ONU (Organizações das Nações Unidas), como revelou reportagem de OVALE e da Sampi Campinas (leia mais sobre as casas no Documento OVALE).
A avaliação é de Leonardo Pinho, diretor de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e da mesa diretora do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos).
Em conversa exclusiva com OVALE, ele avaliou o projeto habitacional da Prefeitura de Campinas para abrigar 116 famílias (mais de 450 pessoas) em casas embriões de 15 m², com a promessa de ampliá-las futuramente. Os moradores estão em área de ocupação.
"O Brasil tem larga experiência exitosa de políticas habitacionais. Essas experiências de 15 m² não estão associadas a essas políticas exitosas e muitos menos cumprem as resoluções internacionais, que o Brasil internalizou em sua Constituição, quando fala do direito à moradia e da dignidade humana", afirmou.
A posição endossa críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) às casas de 15 m², chamadas por ele de “absurdo dos absurdos”. “Se essa moda pega, daqui a pouco estaremos construindo poleiros para que o povo possa morar”, disse Lula.
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Segundo Pinho, as moradias de 15 m² "não coadunam com a dignidade humana para as famílias". "Em lugares de risco, a maioria são famílias. Para qualquer um esse tipo de resposta não corresponde aos tratados internacionais, ao sentido constitucional e às experiências brasileiras exitosas. Não corresponde à necessidade de dar dignidade humana para a família."
O diretor disse ainda que esse tipo de projeto deveria estar "dentro de iniciativas de programas estaduais e nacionais de moradia, que garantem moradias de tamanho adequado para família, que não é o caso de 15 m²".
O primeiro problema do projeto, na opinião de Pinho, é a "violação da dignidade humana". Ele também vê risco de o imóvel de tamanho insuficiente "contribuir com processo de conflitos", além de criar um ambiente de insalubridade.
"Como crianças podem estudar em ambientes com todo mundo amontoado em 15 m²? Lembrando que parte disso ainda é o banheiro. O convívio social fica impedido. Isso afeta as relações familiares, o desenvolvimento escolar e a dignidade dessa família, podendo acarretar uma situação de total insalubridade, inclusive na área de saúde", afirmou.
Pinho destacou que o Conselho de Direitos Humanos da ONU produziu um relatório sobre o "Direito à Moradia Adequada", feito pela relatora Leilani Farha, advogada canadense e diretora global da The Shift, iniciativa habitacional.
OVALE utilizou o documento da ONU para revelar que o projeto de Campinas descumpre as indicações da organização. Pinho concordou: "Essa proposta da Prefeitura de Campinas viola esse relatório".
O representante do Ministério dos Direitos Humanos também criticou a justificativa da administração de que se trata de um projeto emergencial e que os imóveis de 15 m² são melhores do que as moradias improvisadas dos moradores na Ocupação Mandela.
"Claramente a resposta de que 'é melhor do que tinha antes' não está coadunada com o princípio constitucional. Não importa se a pessoa é milionária ou pobre, a Constituição garante a dignidade da pessoa humana. Vale para o milionário quanto para a população mais pobre. Qualquer política pública no Brasil tem que cumprir a Constituição."
Segundo ele, a prefeitura poderia ter optado por uma medida como o aluguel social e planejar moradias mais adequadas, até por meio do programa Moradia Primeiro, que está em discussão na Câmara de Campinas (leia mais nesta página).
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MORADIA PRIMEIRO
A alternativa para a construção de casas de 15 m² em Campinas está em tramitação na Câmara da cidade, segundo Leonardo Pinho, diretor de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Trata-se do programa Moradia Primeiro, que viabiliza moradias adequadas para pessoas em vulnerabilidade. “O programa poderia ser uma resposta, porque essas pessoas da ocupação irregular podem ficar em situação de rua [com o despejo].
É um programa já testado e com estratégias de moradia provisória até a prefeitura construir moradias adequadas”, disse Pinho, que participou de audiência em Campinas sobre o projeto.
“Essa saída de oferecer 15 m² desrespeita o princípio constitucional e as resoluções da ONU sobre moradia adequada, e ainda é falsa, porque é possível ter uma alternativa”.