Contrariando diretrizes da ONU (Organização das Nações Unidas), as casas embriões de 15 metros quadrados em Campinas para até sete moradores, para pessoas em vulnerabilidade social, oferecem o risco de danos colaterais para a população, como problemas de saúde e questões sociais.
Também há risco de “precariedade habitacional” e “favelização”, conforme apontaram especialistas ouvidos pela reportagem de OVALE e da Sampi Campinas, entre eles estudiosos da USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), entre outros.
Na avaliação de especialistas, casas de 15 m² podem se transformar em “habitação doente”, gerando problemas de saúde devido à falta da “qualidade do espaço” do imóvel.
“A prefeitura está reproduzindo modelos que não deram certo para dar respostas a demandas antigas. Está fazendo muito pouco para resolver o problema”, declarou a OVALE Tomas Moreira, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP de São Carlos e coordenador do YBY – Laboratório de Estudos Fundiários, Política Urbana e Produção do Espaço e da Paisagem.
O projeto da Prefeitura de Campinas vai reabrigar 116 famílias e mais de 450 pessoas da Ocupação Mandela, que há sete anos lutam por um imóvel digno. Elas vão morar no novo Residencial Mandela, no distrito do Ouro Verde, que terá casas de 15 m² de um cômodo e mais um banheiro. As moradias devem ficar prontas em três meses.
“As pessoas não conseguem morar em uma unidade habitacional de 15 m², e aí todos os conflitos sociais acabam indo para a rua. Tenho que garantir uma qualidade de vida não apenas para a moradia, mas na relação com a vizinhança também”, completou Moreira.
ONU
OVALE e a Sampi Campinas revelaram que o projeto em Campinas descumpre diretrizes da ONU Habitat (Programa da ONU para os Assentamentos Humanos) para uma a construção de uma casa minimamente digna e adequada.
A entidade classifica moradia adequada quando, no máximo, até três pessoas compartilhem o mesmo quarto habitável, com uma área mínima de 9 m², além de espaços como cozinha e banheiro separados.
Um cômodo pequeno demais compromete a saúde e o bem-estar dos moradores, na avaliação da ONU, que usa como critério a densidade de morador por dormitório para avaliar a moradia. No caso das casas embriões de Campinas, os imóveis estão sendo construídos com banheiro e só mais um cômodo e irão abrigar, em média, 3,8 pessoas por moradia -- há famílias na ocupação com até sete pessoas.
“Nem duas camas individuais cabem em um quarto destes [menor do que 9 m²], pelo que se assume que três pessoas podem dormir em uma cama. Além disso, é improvável que outros móveis caibam. A ventilação necessária também é uma preocupação”, diz trecho de documento da ONU.
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PRECARIEDADE
Para a arquiteta e urbanista Eleusina de Freitas, que elaborou o último plano de habitação de Campinas, em 2010, a ação da prefeitura é ineficaz e o recurso poderia ser “mais bem investido com planejamento que atendesse a necessidade das famílias”.
“Por que nada foi feito antecipadamente se existe um plano, um órgão e o recurso? As condições das moradias ferem as diretrizes da própria ONU, que estabelece o mínimo de um cômodo, banheiro e uma unidade de cozinha”, disse.
A avaliação dela é corroborada por outros especialistas.
“Em habitação, consideramos adequada uma moradia de 70 m². É questão de salubridade e saúde. Espaços pequenos demais tendem a proliferar doenças e ter problemas com ventilação e iluminação”, disse a OVALE Flávio Mourão, professor da Unitau (Universidade de Taubaté) e mestre em arquitetura e urbanismo.
FAVELIZAÇÃO
Para o professor Moreira, da USP, sem ajuda financeira para ampliar o imóvel de 15 m², como até o momento não foi anunciado pela prefeitura, há risco de “favelização” do espaço com a precarização das moradias em alguns anos. Não por falta de zelo dos moradores, mas por necessidade que a pequena moradia irá impor.
“A administração sabe quem são as famílias e a composição delas e tinha como prever modelos específicos para atender cada núcleo familiar com uma moradia digna”, afirmou. “As casas de 36 m² do programa federal Minha Casa Minha Vida deveriam ser o ‘limite do limite’, para que não se tenha impactos sociais imensos”.