Na avaliação de especialistas da USP (Universidade de São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) ouvidos pela reportagem de OVALE, é inaceitável a construção de casas de 15 metros quadrados para abrigar famílias de até sete pessoas em Campinas.
Os imóveis são pequenos para habitações populares numa das cidades mais ricas do estado.
O projeto das casas embriões de Campinas desrespeita diretrizes da ONU (Organização das Nações Unidas) para moradias dignas e adequadas.
O governo do prefeito Dário Saadi (Republicanos) constrói 116 moradias de 15 m², com um cômodo e banheiro, para abrigar 450 pessoas no Residencial Mandela, no distrito do Ouro Verde. As famílias vivem em uma ocupação e áreas de risco. O custo é R$ 6 milhões.
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QUALIDADE DE VIDA
"É impossível ter qualidade de vida oferecendo 15 m². É um cômodo e um banheiro. De acordo com a ONU, você tem que oferecer, no mínimo, um cômodo, um banheiro e uma unidade para a cozinha", disse Tomas Moreira, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP de São Carlos e coordenador do YBY – laboratório de estudos fundiários, política urbana e produção do espaço e da paisagem.
Segundo ele, a oferta de uma casa embrião não garante que as famílias terão condições de ampliar o imóvel depois, em razão de terem que arcar com o financiamento da moradia, que custará R$ 22 mil.
"Para a população é importante sair da área de risco, mas a prefeitura não está oferecendo o mínimo necessário para a moradia. E não é uma população que tenha a capacidade de rapidamente aumentar esse imóvel", disse Moreira.
Para ele, a prefeitura está reproduzindo "modelos que não deram certo" para dar "respostas a demandas antigas".
"É uma política só para dizer que está fazendo, mas em termos de qualidade de vida não há essa preocupação. Casa de 15 m² é inaceitável", disse o professor da USP, que defende projetos de acordo com a demanda de cada família, em razão do número de membros.
"Estamos no momento de repensar a política habitacional e um dos modelos é não fazer essa homogeneização".
CASA EMBRIÃO
Segundo Gisela Leonelli, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Unicamp e coordenadora do Lote (Laboratório de Estudos de Urbanização e Regulação Urbana), o projeto de Campinas está "reproduzindo a precariedade habitacional das pessoas que já são vulneráveis".
"Isso reproduz, reforça e enfatiza a situação de vulnerabilidade das pessoas que estão precisando superar essa condição. É política apressada."
Ela também criticou a justificativa da Prefeitura de Campinas de que as casas de 15 m² são maiores dos que os barracos que as famílias usavam na Ocupação Mandela.
"Esse discurso de 'dar um pouco a mais porque eles vivem mal e qualquer coisa serve para o pobre' é criminoso, preconceituoso e excludente. É uma desculpa para quem quer uma solução rápida e não comprometida, e ainda usando o dinheiro público."
"Campinas tem histórico habitacional e não está enfrentando esse problema agora".
Em Lisboa para um pós-doutorado, Gisela analisou um estudo que avalia 200 anos de política habitacional de Portugal e os projetos que menos deram certo foram os de casas embriões. "De toda a política em Portugal, a de embriões foi a que deu o pior resultado".
MEMÓRIA
A Ocupação Mandela surgiu em julho de 2016 quando famílias sem-teto ocuparam um terreno no Jardim Capivari, em Campinas.
A localidade chegou a ter 600 famílias e perto de 2.500 pessoas. Segundo o movimento, o terreno estava sem uso havia mais de três décadas. Mesmo assim, o local passou por reintegração de posse e a ocupação instalou-se em outro terreno da cidade.