A politização e a polarização contaminaram a festa de Nossa Senhora Aparecida de 2022, celebrada nesta quarta-feira (12) no Santuário Nacional e na Basílica Velha, em Aparecida. Trata-se da mais importante festa católica do país.
O que deveria ser apenas uma celebração religiosa e popular em homenagem à Padroeira do Brasil se transformou, com a chegada do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Santuário, em um ato de campanha e com manifestações agressivas de apoiadores do presidente contra a imprensa e até padres do Santuário.
Bolsonaristas encurralaram e coagiram um jovem vestido de vermelho ao lado da Basílica. Ele precisou se esconder nos corredores da igreja para evitar ser agredido.
Também hostilizaram equipe de reportagem da TV Vanguarda, afiliada da TV Globo no Vale do Paraíba, dentro do Santuário. Uma repórter disse ter tomado tapas no peito e um cinegrafista precisou se abrigar junto a colegas da TV Aparecida e, mesmo assim, as hostilidades continuaram.
Apoiadoras do presidente ainda ameaçaram interromper tradicionais toques de sinos da Consagração de Nossa Senhora Aparecida na Basílica Velha, pois estariam atrapalhando, segundo elas, evento religioso convocado por bolsonaristas no lado de fora do templo histórico.
MISSA SOLENE
O arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, começou o dia criticando a onda de desinformação que se alastra pelo país em meio às eleições presidenciais, com ataques e exploração da fé e da religião.
Durante homilia na missa solene da festa de Nossa Senhora Aparecida, às 9h desta quarta, no altar central do Santuário Nacional, o arcebispo voltou a falar no dragão da mentira, tema que havia abordado na mesma celebração em anos anteriores.
“Maria venceu o dragão e temos muitos dragões que ela vai vencer: o tentador, a pandemia, que foi vencida, mas temos o dragão do ódio e o da mentira, que não é de Deus”, afirmou Brandes.
“E o dragão do desemprego, da fome e da incredulidade. Com Maria, vamos vencer o mal e dar prioridade ao bem, liberdade, verdade e a justiça, porque o povo merece”, completou o religioso.
Em meio à ‘guerra santa’ que se transformou a campanha eleitoral, o arcebispo de Aparecida disse que é preciso “escutar a palavra, escutar Deus, mas também escutar o clamor do povo”. “Precisamos da fé, da oração, da solidariedade e da palavra de Deus. Escutemos Maria e o povo”.
BOLSONARO
Presidente da República e candidato à reeleição, Bolsonaro chegou ao Santuário Nacional um pouco antes da missa das 14h, da qual participou.
Ele recebeu aplausos durante sua entrada na Basílica, e, já durante a missa, ao ser anunciado, foi ovacionado por presentes — em seguida, os aplausos se misturaram com fortes vaias.
Bolsonaro participou da missa ao lado do seu ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato ao governo de São Paulo.
Diante do presidente, o reitor do Santuário Nacional, padre Eduardo Catalfo, pregou na celebração religiosa criticando o ódio que se espalha pelo país.
“Amamos a Virgem Aparecida porque é negra, que tem a cor do nosso povo, sofrido, que enfrenta dificuldades, mas que tem esperança e coragem. Para que possamos vencer os dragões do ódio, da tristeza e do rancor, que nos afastam de Deus e do Evangelho”, disse o sacerdote.
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CAMPANHA
Após a missa, Bolsonaro resolveu conhecer a ‘Tenda do Peregrino’, espaço de acolhida instalado dentro das dependências do Santuário para acolher pessoas que chegam a pé ou de bicicleta e precisam de atendimento médico.
Um corredor de isolamento foi montado até o local para a chegada do presidente, que passou cerca de 15 minutos na tenda e depois cumprimentou apoiadores do lado de fora. Vários deles hostilizaram profissionais da imprensa.
Bolsonaro alegou estar sem voz e saiu do local sem falar com os repórteres. Então, ele subiu e ficou em pé na porta do carro da segurança, com Tarcísio do outro lado do veículo, também em pé na porta, e ambos percorreram parte das dependências do Santuário acenando para romeiros e apoiadores, em gesto típico de campanha eleitoral, contrariando o Santuário Nacional e a Arquidiocese de Aparecida.
ROSÁRIO
Na frente da Basílica Velha, um dos pontos mais tradicionais em Aparecida, Bolsonaro era esperado por centenas de apoiadores que se juntaram para rezar a oração do rosário, convocados pelo Centro Dom Bosco, entidade do Rio de Janeiro de leigos católicos ultraconservadores. Um vídeo da atriz Cássia Kis, que aderiu ao bolsonarismo, circulou na internet nos últimos dias convocando católicos para o evento.
No entanto, Bolsonaro não compareceu e apoiadores despejaram a frustração no Santuário Nacional, acusando padres e o arcebispo de Aparecida de supostamente impedir o presidente de rezar o rosário em frente da Basílica, que faz, há 65 anos, a Consagração Solene da festa de Nossa Senhora Aparecida no mesmo local e horário.
Dentro da Basílica Velha, o padre Camilo Júnior, porta-voz do Santuário, disse que o dia dedicado a Nossa Senhora Aparecida não era para pedir votos, mas bênçãos.
Ele chegou a ser confrontado por mulheres bolsonaristas que o acusaram de atrapalhar o evento que contaria com a presença do presidente ao deixar os sinos da Basílica Velha tocarem, enquanto apoiadores de Bolsonaro tentavam liderar a oração do rosário usando um sistema de som na praça em frente ao templo.
Padre Camilo explicou às mulheres que os sinos da Basílica tocam durante uma hora para marcar a consagração de Nossa Senhora. Disse também que o evento é tradição em Aparecida.
No fim, a polarização política conseguiu dividir fiéis católicos que estavam mais preocupados em apoiar o presidente do que venerar a santa de Aparecida, no dia dedicado à Padroeira do Brasil.
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